São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2010

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ENSAIO
ALLAN KOZINN


Na floresta dos instrumentos, sinais de evolução

Alguns instrumentos diferentes e adaptações estranhas de outros têm surgido entre as conhecidas cordas e metais dos concertos de música clássica. Para criar a ressonância exigida para uma sonata de Boulez, por exemplo, o pianista Marc Ponthus conectou dois pianos de cauda com um pedaço de madeira, permitindo que ele acionasse o pedal de reverberação do segundo em seu banco no primeiro.
E o flautista e compositor Robert Dick tocou obras que ele compôs para uma flauta equipada com o que chama de cabeça para glissando, uma extensão da boquilha que lhe permite modular as frases de seu instrumento deslizando de nota em nota.
O Partch Ensemble, que leva o nome do excêntrico compositor e inventor de instrumentos Harry Partch, apresentou "There Isn't Time", uma nova obra de Victoria Bond para instrumentos que são misturas bizarras de materiais e desenhos asiáticos e ocidentais. Os instrumentos de Partch usam seus próprios sistemas de afinação, com até 43 notas (em vez das 12 padrões) em uma oitava.
As pessoas que temem que a música clássica seja uma cultura de museu normalmente se concentram no repertório, ou em intérpretes e ouvintes que preferem o cânone da música clássica do século 19. Mas o mesmo impulso conservacionista que mantém em cena o repertório tradicional controla a instrumentação.
Pequenos aperfeiçoamentos técnicos podem ser toleráveis aqui e ali, mas qualquer coisa que modifique a natureza essencial, a sonoridade ou o aspecto de um instrumento será considerada por eles um ataque à tradição.
Esse tipo de desenvolvimento contido é historicamente peculiar. Afinal, a maior parte da história da música ocidental, desde a época medieval até meados do século 19, também foi um período de evolução instrumental virtualmente ininterrupta. Os compositores reagiam aos últimos avanços escrevendo obras que aproveitavam as capacidades dos novos instrumentos.
Com a introdução do piano, por exemplo, Haydn pôde compor frases de canto suaves, que mal poderiam ser sugeridas no cravo. E as últimas sonatas de Beethoven exigem um instrumento mais ágil do que o tipo que Haydn encontrou primeiramente.
Os compositores de hoje têm uma opção difícil. Se quiserem ser ouvidos pelas plateias tradicionais de música clássica, precisam escrever para os instrumentos do século 19 tocados pela maioria dos conjuntos.
Mas alguns compositores se rebelaram contra a tirania dos instrumentos padronizados. Partch foi um que começou a fabricar seus próprios instrumentos em 1930 e aumentou constantemente sua coleção até o final dos anos 60.
A alma do grupo de Steve Reich era a percussão, com vozes, cordas e outros instrumentos acrescentados conforme necessário. O primeiro conjunto de Philip Glass foi construído ao redor de sopros, vozes e teclados. Mas, naqueles primeiros dias, Glass não queria qualquer teclado: ele apreciava o som de caniço do órgão Farfisa.
Hoje em dia, o grupo de Glass toca instrumentos mais caros e de alta tecnologia que se aproximam do Farfisa, juntamente com inúmeros sons que este jamais poderia produzir.
Se você é um purista de Glass -ou um fanático por instrumentos de época, da divisão moderna-, o novo som é um meio-termo. Mas Glass nunca fez questão de ser um prisioneiro de detalhes históricos.
Desde então, compositores têm conduzido conjuntos de todo tipo, e o mais comum -o Victoire de Missy Mazzoli ou algum dos grupos liderados por Du Yun, por exemplo- são híbridos de rock-clássico ou jazz-clássico. E alguns têm estranhos instrumentos principais.
O compositor Ben Neill, por exemplo, toca o que ele chama de "mutantrompete" -um trompete com três bocas em vez de uma, seis válvulas em vez de três, uma vara de trombone e uma interface eletrônica que pode transformá-lo em um controlador de sintetizador. Algum desses instrumentos tem probabilidade de se tornar padrão? Não importa muito, na verdade. Eles estão aqui agora, sendo tocados por músicos que são fascinados por eles, e isso basta. Mas se eu fosse chutar qual deles teria futuro, seria a flauta de Dick com a cabeça que efetua glissando.
Afinal, não é uma remodelação completa da flauta -simplesmente um acréscimo que permite que Dick, um virtuoso mesmo em um instrumento padrão, crie efeitos que de outro modo seriam impossíveis para ele.
Além disso, eu adoro a história de fundo. Embora seja um músico clássico, Dick é um fã dedicado de Jimi Hendrix. E, tendo admirado por muito tempo o modo como Hendrix usava a barra whammy (ou de vibração) da guitarra -uma alavanca metálica presa ao braço- para curvar os sons e controlar os uivos do instrumento, ele começou a pensar em fazer um equivalente para a flauta.
Hoje, tudo o que Dick tem de fazer é compor músicas suficientes que exijam essa cabeça, e flautistas que queiram tocá-las -e, talvez mais importante, convencer muitos de seus colegas compositores a fazer o mesmo.


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