São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Próximo Texto | Índice

Uma passagem cobiçada

Recuo do gelo pode abrir atalho para embarcações

Beluga Group



Rota siberiana deve,no futuro, rivalizar com o canal de Suez


Por ANDREW E. KRAMER
e ANDREW C. REVKIN
Moscou
Há séculos os marujos sonham com um atalho no Ártico que acelere o comércio entre a Ásia e o Ocidente. Dois navios alemães estão navegando essa rota pela primeira vez, ajudados pelo recuo do gelo do Ártico, que os cientistas vinculam ao aquecimento global.
Os navios partiram da Coreia do Sul no fim de julho e iniciaram o último trecho em 12 de setembro, deixando um porto siberiano com 3.175 toneladas de material de construção. Devem chegar a Roterdã no final do mês.
Navios russos há muito tempo transportam bens pela longa costa ártica do país. E dois navios-tanques, um finlandês e outro letão, já levaram combustível entre portos russos por essa rota, chamada de Rota do Mar do Norte ou Passagem do Nordeste.
Mas os russos esperam que os navios alemães inaugurem essa passagem como uma rota de navegação confiável, e que a combinação do degelo e dos benefícios econômicos do atalho -que é milhares de quilômetros mais curto que as rotas pelo sul- faça no futuro a passagem do Ártico competir no verão com o canal de Suez.
"É o aquecimento global que nos permite pensar em usar essa rota", disse por telefone Verena Beckhusen, assessora de imprensa da empresa de navegação Beluga Group, de Bremen, Alemanha.
Lawson Brigham, professor de geografia da Universidade de Fairbanks (EUA), que comandou a redação de um relatório internacional sobre o comércio no Ártico, confirmou que a passagem dos navios alemães parece ser o primeiro trânsito comercial real de toda a Passagem do Nordeste. Ele deu crédito à Beluga por ter enfrentado tanto as águas do Ártico, que ainda representam uma ameaça apesar do recuo do gelo, como a burocracia russa, com seu emaranhado de autorizações e regulamentos.
"Isso pode ser um teste tanto para a burocracia como para o gelo", disse Brigham, oceanógrafo e ex-capitão de um quebra-gelo da Guarda Costeira americana. Mas ele também disse que vai demorar até que as rotas de navegação do Ártico retirem movimento dos canais de Suez ou do Panamá.
Lâminas espessas de gelo ainda descem em línguas de até 100 km da calota polar setentrional, e geleiras nos arquipélagos ao longo da costa soltam icebergs que agora vagam mais perigosamente por mares que, não fosse por isso, ficariam livres de gelo no verão. Mas a rota raramente fica completamente intransponível hoje em dia, segundo o Ministério de Transportes russo.
O "Beluga Fraternity" e o "Beluga Foresight", embarcações de 11,5 mil toneladas, resistentes ao gelo, foram acompanhados na maior parte da viagem por um ou dois quebra-gelos nucleares russos, por precaução, embora tenham encontrado apenas pequenos blocos esparsos de gelo.
No trecho mais perigoso da viagem, a passagem em torno da ponta mais setentrional da Sibéria, o estreito de Vilkitsky, o gelo cobria cerca de metade do mar.
"Tirando o estresse, é um atalho econômica e ecologicamente benéfico entre Europa e Ásia", disse por e-mail Valery Durov, capitão do "Beluga Foresight". "Em tais viagens, a vantagem de percorrer menos milhas pode superar os atrasos esperando águas livres."
Navegadores e empresas de navegação sonham com uma Passagem do Nordeste desde 1553, quando o explorador britânico Hugh Willoughby morreu com sua tripulação tentando transpor essa rota. Conforme o Ártico se aquecia e o gelo do mar recuava das costas no verão, os países e as empresas foram se voltando cada vez mais para aquilo que no passado era visto como um fim de mundo cercado de gelo.
Embora a rota ao norte da Rússia só possa ser navegada durante poucas semanas do ano, ela reduz as viagens em dias ou semanas e poupa combustível. Por exemplo, o trajeto entre Yokohama (Japão) e Roterdã via Passagem do Nordeste é cerca de 7.000 km mais curto do que a rota atualmente preferida, pelo canal de Suez, segundo o ministério russo.
Neils Stolberg, presidente da Beluga, disse neste mês que o trânsito ártico não é um experimento, e sim o início da abertura da rota ao tráfego externo. Ele afirmou que sua empresa já tem novos contratos para levar 900 toneladas de bens da Ásia para a Sibéria no próximo verão boreal.
A passagem requer uma autorização porque cruza águas territoriais russas. Aleksandr Olshevsky, capitão aposentado do quebra-gelo Taimyr e hoje diretor da Agência de Transporte Marítimo e Fluvial da Rússia, disse que ele e outros do órgão são favoráveis à redução das taxas como forma de ampliar o tráfego e gerar faturamento para manter os quebra-gelos, bem como as boias e outros auxílios à navegação.
"As condições do gelo eram muito mais severas há 20 anos", disse ele.


Andrew E. Kramer reportou desde Moscou, e Andrew C. Revkin, desde Nova York



Próximo Texto: Lente: A ciência do travesseiro

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.