São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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ENSAIO
David Carr


Uma Casa Branca sob os refletores

Quando Barack Obama se tornou presidente dos EUA, prometeu “uma nova era de abertura”. Após quase um ano de cobertura na mídia que pareceu totalmente pró-Obama, e que terminou com um casal de reality show invadindo um jantar de Estado na Casa Branca, acho que seria bom um pouco menos de exposição.
Quando Michaele e Tareq Salahi entraram sem convite na Casa Branca para um jantar, no mês passado, a equipe de câmera do futuro reality show “The Real Housewives of Washington”, da TV Bravo, ficou esperando lá fora, mas sua presença não teria rompido muito o atual protocolo.
Afinal, como grande parte da vida diária lá, a visita foi registrada e colocada no Flickr da Casa Branca, a janela sempre aberta da “casa do povo”, um apelido que nunca foi mais adequado do que para os atuais moradores. Considerando-se o site da Casa Branca na web, que é volumoso e rico em mídias, sua página no Facebook, galerias de fotos e podcasts no iTunes, a Presidência parece menos ameaçada pela incursão de um reality show do que dirigir um governo que corre o risco de se tornar um.
Em um esforço para continuar conectado ao mundo da mídia social que fez parte de sua vitória eleitoral, o governo Obama pode ser culpado de uma ofensa contemporânea muito comum: o excesso de participação.
“No contexto de um presidente que você vê e escuta o tempo todo, qual a importância do discurso em West Point [quando Obama anunciou o envio de mais soldados ao Afeganistão], o mais importante de sua Presidência?”, pergunta Lawrence O’Donnell, produtor e roteirista do seriado de TV “The West Wing” e analista da MSNBC. “Passa a ser como os boletins meteorológicos, apenas mais uma de muitas mensagens do presidente.”
O presidente não pode ser culpado porque alguns idiotas tentaram ganhar notoriedade em sua presença, mas seu amor pela câmera o deixa vulnerável a sugestões de que ele se esforça demais para aparecer como presidente e não se ocupa demais sendo um. A Casa Branca, que foi uma espécie de palácio imperial sob George W. Bush, tornou-se o lugar mais infestado por câmeras depois de “Big Brother”. Oprah Winfrey esteve lá recentemente com uma equipe de TV. Conversou com o casal presidencial e mostrou a decoração de Natal.
Ela e a primeira-dama dividiram a capa da revista de Oprah, “O”, em abril (não confundir com a capa de “Vogue” que estampou Michelle Obama em março). A senhora Obama também estrelará um episódio do programa de culinária “Iron Chef” em janeiro e já fez uma participação ao vivo, da Casa Branca, no programa do comediante Jay Leno.
Os penetras da festa não estavam tanto invadindo a privacidade dos Obama quanto tentando conseguir um pouco da abundante atenção da mídia que já estava lá. Não é como se eles fossem as únicas pessoas ligadas à mídia que participaram: Brian Williams, âncora do “NBC Nightly News”, e Jeffrey Immelt, da General Electric, que acabara de anunciar que ia vender a participação majoritária na NBC Universal, estavam no mesmo jantar oficial.
Eles são mais ou menos aparentados por afiliação dos penetras, porque a Bravo, a líder da equipe de câmera, é uma divisão da NBC Universal.
Williams e o presidente já são amigos, tendo saído para comer hambúrgueres há poucos meses com uma equipe de câmera. Ronald Reagan (1981-89) foi o primeiro presidente a jantar como cliente em um restaurante público, mas este era o exclusivo Le Cirque, e não foram permitidas câmeras. E, quando Andy Warhol comentou o evento, foi em seu diário, e não em uma página do Facebook.
“[Na campanha], os Obama foram mostrados como uma espécie de reality show ao público. Nós ouvimos falar de seus jantares com Michelle e nos sentimos como se os conhecêssemos”, diz Michael Hirschorn, diretor da Ish Entertainment, que produz reality shows. “Mas, agora que ele está no cargo, existe o perigo de a mística desaparecer. O problema da mídia social e do vídeo constante é que isso corre como água e reduz tudo ao mesmo nível. Nem tudo é especial, e tudo se torna conteúdo, mesmo que seja o presidente.”
O clamor, na mídia ou não, que os Obama criaram em Washington traz à mente, é claro, outro jovem e belo casal com filhos lindos que encantou o país. Afinal, foi Jacqueline Kennedy quem introduziu a versão televisiva da Casa Branca para os cidadãos, dando uma visita à CBS News.
Mas o vislumbre foi cuidadosamente roteirizado, segundo a máxima de Jacqueline: “mínima informação com o máximo de delicadeza”. Assistindo a essa visita mais de 40 anos depois no YouTube, ela parece menos a alvorada de uma nova era da mídia do que uma estranha lembrança de uma era passada, quando era enorme a distância entre a imprensa e a Presidência.
Jackie Kennedy pode ter sido glamourosa e feito sua parcela de gerenciamento de imagem, mas teve um relacionamento casto com a câmera e o público. “Eu quero viver minha vida, e não registrá-la”, ela disse.


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