São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Cirurgia para doenças mentais traz esperança e riscos

Christopher Capozziello para o New York Times
Aparelho imobiliza a cabeça do paciente antes da cirurgia, para tratar severos problemas psiquiátricos

Por BENEDICT CAREY

Um paciente era um homem de meia-idade que se recusava a ir para o chuveiro. Outro era um adolescente que tinha medo de sair debaixo dele.
O homem, Leonard, escritor residente nos arredores de Chicago, não conseguia tomar banho ou escovar seus dentes. O adolescente, Ross, de um subúrbio de Nova York, desenvolvera um pavor tão grande de micróbios que costumava tomar banho por sete horas seguidas. Ambos receberam o diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) grave.
Em desespero, ambos foram a um hospital em Rhode Island para se submeter a uma cirurgia cerebral experimental, na qual quatro furos do tamanho de uvas passas foram feitos em seus cérebros.
Hoje, dois anos após a cirurgia, Ross, 21, cursa a faculdade. “A cirurgia salvou minha vida”, disse.
O mesmo não pode ser dito de Leonard, 67, operado em 1995. “Não houve mudança alguma”, disse. “Ainda não consigo sair de casa.”
No final do século 20, a grande promessa da neurociência era revolucionar o tratamento de problemas psiquiátricos. Mas a primeira aplicação real da ciência cerebral avançada não é nova. Trata-se de uma versão precisa e sofisticada de uma abordagem antiga e controversa: a psicocirurgia, na qual médicos operam o cérebro diretamente. Neste ano, pela primeira vez desde que a lobotomia frontal caiu em desuso, nos anos 1950, a FDA, agência que regula alimentos e drogas nos EUA, aprovou uma das técnicas cirúrgicas para uso em alguns casos de TOC.
Embora só alguns milhares de pessoas apresentem o transtorno com gravidade suficiente para satisfazer os critérios mínimos para se submeter à cirurgia, milhões de outras pessoas que sofrem de uma gama de problemas graves, desde depressão até obesidade, poderão candidatar-se a tais cirurgias se as técnicas passarem a ser menos experimentais.
Mas a esperança vem acompanhada de riscos. Darin D. Dougherty, diretor da divisão de neuroterapia do Hospital Geral do Massachusetts, disse que, em vista da história de técnicas fracassadas, como a lobotomia frontal, “se este esforço der errado, essa abordagem será excluída pelos próximos cem anos”.
Há anos, alguns médicos têm realizado procedimentos experimentais, em sua maioria para TOC ou depressão, sempre com a ajuda de tecnologias de imageamento em alta resolução.
Em um procedimento conhecido como cingulotomia, médicos perfuram o crânio e passam fios por uma área chamada de cíngulo anterior. Ali, eles localizam e destroem trechos pinçados de tecido que estão ao longo de um circuito em cada hemisfério, que conecta centros emocionais mais profundos do cérebro a áreas do córtex frontal, onde fica centralizado o planejamento consciente.
Esse circuito parece ser hiperativo nas pessoas que sofrem de TOC grave, e estudos sugerem que a cirurgia aquieta essa atividade. Em outra operação, conhecida como capsulotomia, os cirurgiões vão até uma área chamada cápsula interior e queimam pontos em um circuito que também se acredita que fique hiperativo.
Outra abordagem é a estimulação cerebral profunda, na qual cirurgiões inserem fios no cérebro, para então passar uma corrente aos eletrodos.
Em uma terceira técnica, médicos colocam o paciente num aparelho semelhante a uma máquina de ressonância magnética, que envia raios de radiação para dentro do crânio. Os raios passam pelo cérebro sem causar danos, exceto no ponto em que convergem. Ali eles queimam pontos de tecido de circuitos relacionados ao TOC. Conhecida como cirurgia por faca gama, foi essa a opção escolhida por Leonard e Ross. O psiquiatra Ben Greenberg disse que cerca de 60% dos pacientes submetidos à cirurgia por faca gama ou à estimulação cerebral profunda tiveram melhora significativa.
Todas as instituições seguem um processo ético rígido de verificação anterior para selecionar os candidatos aos procedimentos. A desordem precisa ser grave e incapacitante, e é preciso que todos os tratamentos padrão tenham sido testados. O desespero, por si só, não é o bastante para qualificar um paciente para os procedimentos, disse Richard Marsland, que comanda o processo de escolha de pacientes no Hospital Butler. “Recebemos centenas de pedidos por ano, mas só fazemos um ou dois procedimentos”, disse.


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