São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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Erro canino ajuda a punir inocentes

Por JOHN SCHWARTZ

HOUSTON — Um erro de um cão farejador ajudou a manter Curvis Bickham na prisão durante oito meses. Agora que o processo contra ele foi arquivado, ele quer contar ao mundo que a técnica investigativa que justificou sua prisão não cheira nada bem.
A polícia vinculou Bickham a um triplo homicídio depois de ele ser apontado por um cão em uma “identificação olfativa” entre várias pessoas. Os cães são expostos ao odor de coisas encontradas no local do crime e, em seguida, passam diante de recipientes com amostras recolhidas de um suspeito e de várias outras pessoas sem envolvimento com o crime. Se o cão encontra uma lata com um cheiro compatível, ele sinaliza —fica rijo, late ou dá algum outro alerta que o treinador reconheça.
Os focinhos caninos há muito tempo são úteis na localização de pessoas, e a polícia os usa para detectar drogas e explosivos e para encontrar vítimas de um crime ou desastre. Mas as identificações olfativas são diferentes. Críticos dizem que a chance de contaminação cruzada dos odores é grande e que os procedimentos raramente são bem controlados.
Apesar disso, e embora alguns tribunais americanos tenham rejeitado isso como prova, a técnica tem sido usada em muitos Estados dos EUA, como Alasca, Flórida, Nova York e Texas, disse Lawrence Myers, professor-associado de comportamento animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Auburn.
Estão sendo particularmente questionados os métodos do treinador de cães no caso Bickham e em seis outros que dão base a processos judiciais.
O treinador Keith Pikett, xerife-assistente do Condado de Fort Bend, no Texas, é “um charlatão”, acusou Rex Easley, advogado na localidade texana de Victoria, que representa um homem erroneamente acusado pela polícia de assassinar um vizinho. Pikett, segundo o advogado, “concebeu um truque não confiável para cães a fim de justificar as suspeitas das agências policiais locais”, resultando em mandados de busca e prisão.
Pikett, que não quis ser entrevistado, trabalha na cidade de Richmond, a sudoeste de Houston, mas tem sido um requisitado consultor de órgãos policiais de todo o Estado, usando os sabujos treinados em sua casa —aos quais deu nomes como Columbo, Quincy e Clue (pista)— para farejarem crimes. Em depoimento judicial, o policial, natural de Buffalo, Nova York, estimou ter realizado milhares de identificações olfativas desde a década de 1990. Seu advogado diz que a técnica é eficaz.
Thomas Lintner, chefe da unidade de reação a evidências do laboratório do FBI (a polícia federal dos EUA), disse que a agência só usa os odores para seguir uma pista até um suspeito ou um local correlato, e não para identificar uma pessoa entre várias. Um relatório de 2004 do FBI alertava que o olfato canino “não deveria ser usado como evidência primária”, apenas para corroborar outras provas.
Mas, em vários casos baseados nas identificações dos cães de Pikett, o método parece ter fornecido as provas principais, mesmo quando havia evidências em contrário. Bickham passou oito meses na cadeia depois de ser identificado pelos cães, até que outro homem confessasse os assassinatos. Em entrevista, Bickham ironizou as acusações recebidas, lembrando que se move com dificuldades por causa de bicos-de-papagaio e diabetes e é parcialmente cego.
Outro homem, Ronald Curtis, passou nove meses preso por causa das identificações de Pikett, acusado de vários furtos. Vídeos das lojas mostraram que o ladrão não se parecia com ele. “Ninguém estava ouvindo”, disse Curtis.
Ele e Bickham moveram ações civis contra o tratamento recebido nos tribunais federais. A primeira pessoa a abrir um processo desses, em janeiro, foi Michael Buchanek, capitão reformado do Departamento do Xerife do Condado de Victoria, no Texas, e cliente de Easley. Buchanek disse que, depois de ser identificado pelos cães de Pikett, a polícia “ficou me dizendo que ‘os cães não mentem, nós sabemos que foi você’”.
Após meses de incerteza, um exame de DNA apontou outro homem, que depois confessou o crime.
Robert Coote, chefe de uma unidade canina da polícia britânica, viu os vídeos da identificação olfativa feita por Pikett no caso Buchanek e disse: “Se não fosse o fato de que se trata de um assunto sério, eu poderia estar assistindo uma comédia”.


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