São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2010

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TENDÊNCIA MUNDIAIS

Com medo, imprensa deixa de noticiar chacinas no México

Por MARC LACEY
REYNOSA, México - A grande dúvida filosófica em Reynosa, cidade de fronteira marcada pela violência, diz respeito a corpos que tombam sobre o chão de concreto: será que um tiroteio aconteceu de fato se os jornais não o mencionam, se as rádios e TVs silenciam a seu respeito e se as autoridades jamais confirmam que ele aconteceu?
Nas últimas semanas, enquanto dois poderosos grupos de traficantes travavam combates urbanos ferozes em Reynosa, foi difícil conciliar a realidade com a qual conviviam muitos moradores da cidade e aquela retratada pela mídia, cada vez mais tímida, e os políticos, preocupados com sua imagem.
"Você começa a se perguntar qual é a verdade", disse uma das assustadas moradoras locais, a professora universitária Eunice Peña. "Será que é o que você viu ou o que dizem a imprensa e as autoridades? Você chega até a se perguntar se não terá imaginado tudo."
Moradores revoltados que tinham testemunhado matanças começaram a preencher o vazio de informações, postando na internet vídeos e fotos feitos com seus celulares. "As imagens não mentem", disse um jornalista de McAllen, Texas, que monitora o que acontece ao sul da fronteira dos EUA, mas deixou de aventurar-se por lá pessoalmente. "Você ouve os tiros, vê os cadáveres. Você sabe que a situação está feia."
Nos últimos três anos, a ofensiva lançada pelo governo mexicano contra o tráfico vem desencadeando violência crescente, enquanto os traficantes lutam para proteger suas lucrativas rotas de contrabando.
No último dia 13, em Ciudad Juárez, na fronteira com os EUA, habitualmente assolada pela violência, pistoleiros com aparente ligação com o narcotráfico mataram a tiros uma funcionária grávida do consulado americano e seu marido. Também mataram o marido de outra funcionária do consulado e feriram seus dois filhos pequenos.
Já faz tempo que jornalistas também figuram entre as vítimas, mas os recentes ataques contra profissionais da mídia noticiosa nunca foram tão intensos.
Em cidades fronteiriças estratégicas, onde as drogas são contrabandeadas às toneladas, os traficantes têm atacado jornalistas de maneira impiedosa. Redações de jornais foram alvos de tiros, profissionais foram sequestrados e assassinados, e traficantes têm feito telefonemas regulares a veículos de imprensa para transmitir ameaças. Afastem-se, dizem os bandidos. Não ousem divulgar nossos nomes. Na próxima vez em que vocês publicarem uma foto como essa, vamos matá-los.
"Eles estão falando sério", disse um dos muitos jornalistas apavorados que antigamente cobriam o noticiário policial em Reynosa. "Estou me censurando. Todo o mundo anda fazendo a mesma coisa."
Quando não estão fazendo ameaças, dizem jornalistas, os traficantes estão subornando repórteres. Mas os bandidos nem sempre foram tão avessos à mídia. Quando cometiam algum crime especialmente escabroso, frequentemente buscavam a cobertura da imprensa.
Mas não agora.
E o blecaute noticioso atual na região da fronteira vem apenas intensificando o medo, à medida que boatos falsos sobre tiroteios iminentes circulam livremente, levando muitos pais a proibir seus filhos de irem à aula e muitas empresas a fechar suas portas.
O blecaute significa que uma mãe pode ficar escondida dentro do guarda-roupa com sua filha por um tempo que parece uma eternidade, enquanto tiros são trocados fora de sua casa, como aconteceu recentemente em Reynosa, e não ver uma palavra sobre o assunto no jornal do dia seguinte.
Significa que helicópteros podem atravessar o céu, veículos militares podem passar pelas ruas em alta velocidade e um bairro inteiro pode ter a impressão de estar fazendo parte de um filme de guerra, e, na manhã seguinte, a televisão pode começar o jornal do dia falando de outra coisa.
Até mesmo autoridades, como o prefeito de Reynosa, Oscar Lubbert, reconhecem que, sem a cobertura da imprensa, é mais difícil ter uma ideia clara de quanto sangue foi derramado de um dia para outro, em parte porque os traficantes às vezes levam os corpos de seus mortos antes de o sol raiar.
A imprensa do Texas noticiou que a agência antidrogas dos EUA identificou o início da recente onda de violência em Reynosa como tendo acontecido em 18 de janeiro, quando o cartel do Golfo matou Victor Mendoza, membro de alto escalão da quadrilha rival Zeta.
Os Zetas, fundados por antigos membros das forças especiais mexicanas e conhecidos tanto por sua organização quanto por sua brutalidade, exigiram a cabeça do assassino. O cartel do Golfo, que no passado usou os Zetas como matadores de aluguel mas agora promete eliminá-los, não cedeu.
Nas semanas seguintes, tiroteios irromperam ao longo de extensos trechos da fronteira, e os repórteres locais silenciaram.
"Antigamente, quando havia um tiroteio, o lugar lotava de jornalistas", disse um dos muitos repórteres que, por medo, desistiram de fazer a cobertura da guerra das drogas ali. "Hoje há momentos em que não se vê um único jornalista. Todo o mundo mantém distância."
A violência e seu efeito passaram a ser tratados em um curso de jornalismo na região da fronteira.
Em uma universidade de Reynosa, professores de comunicações falam da importância de o jornalista se conservar neutro. Além disso, enquanto o clima na fronteira não mudar, eles procuram conduzir seus alunos para empregos em que cubram política, cultura ou esportes -qualquer coisa menos criminalidade.


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