São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2011

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INTELIGÊNCIA/YANZHONG HUANG

A luta contra as doenças crônicas

NOVA YORK
Nascido em uma pequena aldeia junto ao rio Yangtsé, presenciei como o sistema de saúde maoísta, com seu compromisso com a igualdade e o acesso universal, derrubou com sucesso a incidência de doenças infecciosas e melhorou de maneira significativa a saúde pública.
Vi como na década de 1970 a maioria das pessoas apenas esperava uma tigela de arroz, mas relativamente poucas morriam de derrame, diabetes, câncer ou doença cardíaca. Do mesmo modo que a tuberculose -que era considerada por alguns no século 19 uma expressão de criatividade-, as doenças crônicas não transmissíveis foram por muito tempo consideradas males da riqueza nos países afluentes. Não mais.
Com a globalização, a urbanização e o crescimento econômico, as doenças não transmissíveis são a principal causa de mortes e de deficiências, mesmo no mundo em desenvolvimento. Desde a década de 1980, os países de baixa e média renda tiveram um rápido aumento no consumo de gorduras, que é associado às doenças cardíacas. Essas populações estão envelhecendo mais depressa, aumentando a probabilidade de que as pessoas desenvolvam doenças crônicas.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% das doenças crônicas ocorrem hoje em países de baixa e média renda. O peso das doenças não transmissíveis é alto para potências econômicas emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, países conhecidos como BRICS. Cerca de 85% das mortes na China, 81% na Rússia, 75% no Brasil e 53% na Índia são causadas por doenças crônicas. Mesmo na África do Sul, onde o HIV/Aids é a principal causa de morte entre adultos, o peso das doenças crônicas aumenta.
Os cinco países estão liderando uma explosão global de doenças como diabetes. Segundo uma pesquisa recente publicada na revista médica Lancet, 138 milhões de pessoas diabéticas -40% da população diabética mundial- vivem na China e na Índia. E a China superou a Índia como capital da diabetes no ano passado. Como disse um epidemiologista, para cada pessoa com HIV/Aids em todo o mundo, existem três pessoas com diabetes na China.
A epidemia de doenças não transmissíveis é um mau presságio para o desenvolvimento. Pesquisas mostram que aumento de 10% em doenças crônicas está associado a uma redução de 0,5% no crescimento econômico anual. Um relatório da OMS revelou que Brasil, China, Índia e Rússia juntos atualmente perdem mais de 20 milhões de anos de vida produtiva por ano para as doenças crônicas. Como comentou o doutor Harvey V. Fineberg, presidente do Instituto de Medicina, as doenças crônicas poderão custar a chineses, a indianos e a russos US$ 200 bilhões a US$ 500 bilhões em renda nacional de 2005 a 2015. Somente na Índia, a doença crônica empurra 40 milhões de pessoas para baixo da linha da pobreza todos os anos.
A Assembleia Geral da ONU realizará uma reunião sobre doenças não transmissíveis em setembro. Mas há poucos indícios de que haverá uma mudança de paradigma na prevenção de doenças. Segundo um alto membro do governo americano, Washington não pretende substituir as atuais Metas de Desenvolvimento do Milênio, que incluem o compromisso de reduzir as doenças infecciosas. E a Fundação Bill e Melinda Gates parece ter pouco interesse em alterar suas prioridades de doenças infecciosas para não infecciosas. Até agora, nenhum chefe de Estado dos BRICS se comprometeu a participar da reunião da ONU.
Os BRICS devem dar uma forte ênfase para o controle do tabaco e outros fatores de risco compartilhado, como a redução do sal. Mas esses países também são prejudicados por uma crise de saúde em duas frentes: o aumento acentuado de doenças não contagiosas e os tremendos desafios das doenças infecciosas. A Índia e a China lideram o mundo na incidência de tuberculose. Para enfrentar as doenças infecciosas, elas tendem a contar com programas específicos financiados por doadores internacionais. Isso desviou os governos do reforço de seus sistemas de saúde como um todo, o que é essencial para reverter as doenças crônicas.
Intervenções de saúde pública em todo o sistema são realmente caras, mas o preço da inação é ainda mais assustador.
Garantir o acesso de todos a serviços de saúde de qualidade é uma abordagem indispensável e de boa relação custo-eficiência para os BRICs avançarem na agenda de doenças crônicas. Enquanto o crescimento econômico nesses países pode fornecer verbas suficientes para dar acesso a todos aos tratamentos de saúde, uma melhor cobertura estimularia a demanda doméstica, ao liberar dinheiro que de outro modo seria gasto em caras contas médicas.
O Brasil e a Rússia deram passos na direção do atendimento de saúde universal, e a China injetou fundos maciços para garantir o acesso universal ao atendimento básico até 2020. O governo sul-africano anunciou recentemente a proposta de um sistema de saúde universal a partir de abril próximo, enquanto na Índia também há um movimento nesse sentido.
Chegou a hora de os BRICS aumentarem a cobertura de saúde universal na luta contra doenças não transmissíveis. Esses países deveriam utilizar o poder de suas robustas indústrias de biotecnologia e farmacêutica e formar uma parceria para desenvolver e produzir drogas acessíveis que possam realmente beneficiar a população pertencente ao mundo em desenvolvimento.

Yanzhong Huang é senior fellow para Saúde Global no Conselho sobre Relações Exteriores e professor associado da Escola de Diplomacia e Relações Internacionais John C. Whitehead da Universidade Seton Hall. Envie seus comentários para o e-mail intelligence@nytimes.com


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