São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

O redespertar berbere é acompanhado por temor

Sonho de sociedade multicultural e totalmente tolerante

Por C.J. CHIVERS

YAFRAN, Líbia - Na primavera e no verão deste ano, enquanto rebeldes expulsavam as tropas do coronel Muammar Gaddafi de boa parte das áridas regiões montanhosas do oeste da Líbia, Yafran se converteu no destacamento avançado de um despertar cultural.
Depois de décadas de opressão na Líbia, os "amazighs", ou berberes, estão ressurgindo como força política. "Antes, vivíamos na escuridão -éramos invisíveis", disse Osama Graber, 36, engenheiro amazigh que hoje é combatente da oposição. "Agora, podemos ser vistos e estamos sentindo o gosto da liberdade."
Assim que as forças de Gaddafi se retiraram desta cidade nas montanhas, os moradores dela começaram a reafirmar sua posição. Eles seguiram um modelo verificado em outras cidades tradicionalmente amazighs -entre elas as vizinhas Nalut e Jadu-, que já se libertaram do domínio do governo.
Aulas de tamazight, a língua dos amazighs, estão sendo dadas -sob o governo de Gaddafi, isso era proibido. Foi criada uma força de segurança amazigh. Um jornal semanal local, o "Tamusna" ("Sabedoria"), começou a circular em três línguas: tamazight, árabe e inglês.
E líderes culturais e políticos amazighs formularam um conjunto de reivindicações públicas para uma Líbia pós-conflito. Como parte de sua visão, o tamazight ocupará posição igual à do árabe, e a Líbia se tornará uma democracia parlamentar baseada em uma Constituição fundamentada na tolerância e no respeito pelos direitos humanos.
Mas essas altas aspirações oficiais, possibilitadas pela força, vêm acompanhadas de um desejo de vingança, fato que leva a questionamentos: será que a reorganização social acelerada que vem ganhando impulso na Líbia corre o risco de alimentar tensões que podem enfraquecer a estabilidade ou até mesmo levar a uma guerra interna destrutiva?
Após os militares de Gaddafi terem se retirado no início de junho, algumas das casas em Yafran de membros da tribo Mashaashia, cujos membros apoiavam o governo Gaddafi, foram incendiadas. Seus ocupantes desapareceram; aparentemente, fugiram. O número de casas queimadas em Yafran é discutido. Para alguns, teriam sido 15 ou 20, mas outros dizem que foram mais.
Alguns moradores da cidade disseram que as famílias da tribo Mashaashia forneciam filhos que combateram nas forças pró-Gaddafi ou davam apoio logístico e de inteligência às tropas governamentais que cercaram as montanhas daqui. Mas os ataques parecem ser dirigidos não apenas contra as casas de famílias que sabidamente têm filhos nas forças armadas. Entre as casas destruídas estavam algumas ocupadas por famílias cujas ligações com o governo aparentemente eram pouco importantes. É o caso da casa de uma viúva e seus filhos, que, segundo seus vizinhos, tinham 13 e 16 anos.
E, ao mesmo tempo em que membros do Conselho Nacional de Transição, a autoridade rebelde "de facto", disseram que os mashaashias seriam recebidos de volta de bom grado após a guerra, um amazigh destacado, o general Ahmed Ismail el-Gul, chefe de polícia de Yafran, reagia em tom de desafio.
"Não os queremos", disse ele, aludindo aos mashaashias. "O governo diz que eles podem voltar, mas o povo não os quer."
Com a partida de seus inimigos, os amazighs vêm pouco a pouco restaurando a vida em Yafran ao normal. Em uma antiga repartição pública que agora virou sala de exposição revolucionária, o artista principal, Abdul Ghassem, disse que o ressurgimento dos amazighs não deve prejudicar outros líbios nem ser interpretado como um anseio separatista. "Não queremos criar nosso país próprio. Somos todos líbios. Queremos nossos direitos, apenas isso."
Um médico no hospital de Yafran disse que esse tipo de sentimento levou os amazighs a pensarem que as correntes da guerra e da história agora estão possibilitando a realização de sonhos que estavam sufocados havia muito tempo. Mas seus próprios medos -o médico se negou a dar seu nome, porque temia pela segurança de parentes seus em Trípoli- ressaltam como a vida na Líbia continua a ser traiçoeira. Ele disse que teme que as tensões entre tribos e grupos étnicos, por muito tempo exploradas pelo sistema clientelista do governo de Gaddafi, possam gerar ciclos de violência que talvez sejam mais difíceis de acalmar após a expulsão do clã Gaddafi.


Texto Anterior: Inteligência/Yanzhong Huang: A luta contra as doenças crônicas
Próximo Texto: No Azerbaijão, o povo paga o preço do desenvolvimento
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.