São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Mentor do 11/9 é pária na Al Qaeda

Por MARK MAZZETTI
WASHINGTON - Pouco depois de ser preso no Paquistão, em março de 2003, Khalid Shaikh Mohammed fez dois pedidos a seus captores: queria um advogado e queria ser levado a Nova York.
Após uma odisseia de quase sete anos, que o levou a prisões secretas da Inteligência dos EUA na Europa e a Guantánamo, parece que Mohammed finalmente conseguirá o que pediu. Será o líder mais graduado da Al Qaeda a responder pelo assassinato em massa de quase 3.000 americanos no 11 de Setembro, enfrentando o julgamento em Manhattan, enquanto seu chefe, Osama bin Laden, segue foragido.
Mas o calculista, arrogante e independente Mohammed nunca se encaixou no molde do chefe da Al Qaeda. Ele vê pouca utilidade no moralismo de alguns de seus associados e, por anos antes do 11 de Setembro, se recusou a jurar lealdade a Bin Laden -imaginando que, se o líder da organização cancelasse o complô dos atentados de 2001, ele não teria de obedecer à ordem.
Um retrato minucioso da vida e da visão de mundo de Mohammed, 44, surgiu após sua captura, preenchido por documentos revelados pela CIA, transcrições de interrogatórios, o relatório da comissão que investigou o 11 de Setembro e seu próprio depoimento em um tribunal militar. E o principal julgamento por terrorismo na história americana será um grande palco para um homem que se descreve como um "chacal", consumido pela ideia da batalha perpétua contra os EUA.
"O julgamento será mais que um mero caixote para ele subir", disse Jarret Brachman, autor de "Global Jihadism" (Jihadismo global) e consultor de terrorismo para órgãos governamentais dos EUA. "Será uma oportunidade para ele denunciar todo o sistema."
A última vez em que Mohammed teve uma plataforma semelhante foi em uma audiência militar em Guantánamo, onde fez uma longa exposição sobre diversos temas, incluindo história americana.
"Por causa da guerra, é claro que haverá vítimas", ele disse através de um intérprete, explicando que sentia certo remorso pelas crianças mortas em 11 de Setembro. "Eu disse que não estou feliz porque 3.000 pessoas foram mortas nos EUA. Eu me sinto até triste. Não gosto de matar crianças e jovens."
Mas acrescentou: "É por isso que a língua de qualquer guerra no mundo é a morte. Quer dizer, a linguagem da guerra são as vítimas".
Paquistanês criado no Kuait, Mohammed tornou-se importante para a missão da Al Qaeda em grande parte por causa de seu passado: estudara em uma universidade americana, falava um inglês passável e tinha uma compreensão do Ocidente mais profunda que a de qualquer outro assessor de Bin Laden.
Mohammed estudou no Kuait e depois no interior da Carolina do Norte (EUA). Mais tarde, transferiu-se para a universidade North Carolina Agricultural, em Greensboro, onde obteve um diploma de engenharia mecânica em 1986. Após a formatura, viajou para o Paquistão e o Afeganistão para unir-se aos combatentes mujahedin, na época beneficiários de milhões de dólares da CIA na luta contra as tropas soviéticas. Durante a década seguinte, planejou dezenas de ataques contra alvos ocidentais. Em seu julgamento militar, em 2007, Mohammed recitou uma lista das conspirações de que teria participado, incluindo tramas de assassinato contra o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001) e o papa João Paulo 2? e o atentado ao World Trade Center, em 1993.
Mas, segundo muitos especialistas em terrorismo, Mohammed exagerou sua participação em muitos ataques, embora os especialistas não discutam seu papel no planejamento do 11 de Setembro.
Foi somente em meados dos anos 90 que especialistas em contraterrorismo começaram a entender a importância de Mohammed para a causa da jihad global, depois de um complô frustrado para explodir 12 aviões comerciais americanos em pleno voo -a primeira inspiração de Mohammed para usar aviões contra alvos civis, segundo o relatório da comissão do 11 de Setembro e documentos da CIA.
Em 1996, Mohammed foi ao Afeganistão apresentar uma ideia a Bin Laden: sequestrar simultaneamente dez aviões e dirigi-los contra diversos alvos civis nos EUA. Ele estaria no único avião que não se chocaria e, depois que este pousasse, faria um discurso condenando a política americana para Israel. Bin Laden achou a ideia pouco prática mas, três anos depois, mudou de opinião e chamou Mohammed a Candahar (Afeganistão).
Apesar de sua sabedoria declarada sobre os EUA, mais tarde Mohammed admitiu que havia se enganado sobre a reação americana aos ataques de 11 de Setembro. Ele não esperava a campanha militar no Afeganistão e não previu a caçada aos líderes da Al Qaeda na Ásia e no Oriente Médio.
Até que o secretário da Justiça dos EUA anunciasse, no último dia 13, que Mohammed seria julgado junto com quatro outros conspiradores do 11 de Setembro em uma corte federal em Manhattan, "a poucos quarteirões" do marco zero, seu destino era impreciso. De fato, a defesa ainda poderia tentar mudar o local do julgamento.
Em setembro de 2006, junto com outros prisioneiros da CIA em cadeias secretas no exterior, Mohammed foi transferido para a prisão militar em Guantánamo.
Mas, enquanto os EUA se preparam para julgá-lo pela operação mais bem-sucedida da Al Qaeda, Mohammed ainda é considerado uma espécie de pária dentro da rede terrorista, raramente ou nunca mencionado em pronunciamentos públicos por Bin Laden.
Alguns especialistas acreditam que Mohammed sempre será considerado secular demais -e prático demais- para ser completamente aceito pelos líderes da rede terrorista. "Em oposição ao resto desses sujeitos, que ficam sentados e falam, KSM [como é conhecido] realmente executou o serviço", disse o consultor Brachman. "É isso que o torna tão assustador."


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