São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Mulás afegãos apoiam controle de natalidade

Por SABRINA TAVERNISE
MAZAR-I-SHARIF, Afeganistão - Os mulás olhavam para a tela fixamente, em silêncio. Eles se mexiam nas cadeiras, nervosos, e batucavam com seus lápis. Versos corânicos se sucediam à sua frente, mas o tema em discussão era algo que deixava a todos ligeiramente incomodados.
Era um seminário sobre controle de natalidade, um tema apropriado para um país cujo índice de fertilidade -seis filhos por mulher- é o mais alto da Ásia. Mas a plateia era incomum: dez líderes religiosos islâmicos locais.
A mensagem era simples. Ter bebês é bom, mas não é bom ter bebês demais; espere dois anos antes de ter outro, para dar ao corpo de sua esposa uma chance de se recuperar. Não existe nada no islã que proíba especificamente o controle de natalidade. Mas o islã enfatiza a importância de procriar, e, assim como os líderes de outras religiões, os mulás veem filhos como bênçãos de Deus. Eles costumam estar entre os adversários mais ferrenhos da tese de que é preciso ter menos filhos.
Na visão dos funcionários do grupo sem fins lucrativos responsável pelos seminários, o Marie Stopes International, essa é uma atitude que o Afeganistão não pode mais se dar ao luxo de manter. O alto índice de natalidade impõe uma carga pesada a uma sociedade em que o rendimento médio per capita é de cerca de US$ 700 por ano. Além disso, é um risco para as mães. O Afeganistão está atrás apenas de Serra Leoa em seu índice de mortalidade materna. Em algumas regiões do país, esse índice chega a 8%.
Os mulás participaram do seminário com relutância -foram pagos para comparecer. Surpreendentemente, porém, pareceram entusiasmados ao sair da sessão. "Foi uma discussão útil", disse o mulá Amruddin, homem alto de turbante. "Se você tem filhos demais e não consegue controlá-los, isso não é bom para o islã." A receptividade talvez se devesse ao fato de um mulá ter comandado a aula, usando textos do Corão. Ou talvez porque certas atitudes estejam começando a mudar.
O mulá Syed Wasem Massoom, 29, um dos orientadores do seminário, disse que o Afeganistão está mudando, especialmente nas cidades, e que os mulás precisam refletir sobre essas questões. "As pessoas a todo momento nos perguntavam como fazer para ter menos filhos", contou.
Mulheres afegãs que trabalham para a organização Marie Stopes, distribuindo contraceptivos de porta em porta, também já observaram interesse pelo assunto. A maioria das pessoas ainda desconfia das motivações delas (algumas temem que elas sejam espiãs estrangeiras ou missionárias cristãs interessadas em reduzir a população muçulmana). Mas há mais e mais pessoas abertas à ideia.
Segundo cifras da Marie Stopes, o número de pílulas anticoncepcionais vendidas quase dobrou entre janeiro e setembro deste ano, passando de 6.000 embalagens para 11 mil.
As famílias mais refratárias à proposta são as encabeçadas por mulás. Mahmouda, que trabalha para a organização, recorda do momento em que entrou em uma casa cujo chefe de família era um mulá. A esposa dele fez um sinal para que Mahmouda falasse em voz baixa. "Se meu marido descobrir, vai me castigar", disse a mulher, segundo Mahmouda.
As mulheres disseram que não são incomuns os casos de afegãs que tomam anticoncepcionais em segredo. O próprio marido de Aziza, uma das mulheres que distribuem contraceptivos, é contra. "Ele diz: 'Somos muçulmanos, e Deus nos dá filhos'", disse ela.
A abordagem adotada em Mazar-i-Sharif consiste em persuadir um mulá por vez. Massoom, o orientador mulá, foi quem expressou a questão de modo mais direto. "Este é um país islâmico. Se os clérigos apoiarem esta proposta, ninguém vai se opor a ela."


Colaborou Sangar Rahimi, de Mazar-i-Sharif e Cabul



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