São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

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Lar de tribo queniana é dizimado pelo desenvolvimento

Por JEFFREY GETTLEMAN
MARASHONI, Quênia Com uma canetada, os últimos caçadores de mel do Quênia poderão em breve ficar sem casa. Desde tempos imemoriais, os ogiek foram os tradicionais habitantes da floresta no Quênia. Eles caçavam antílopes com seus arcos e flechas, faziam remédios de folhas e capturavam abelhas para produzir mel. Eles lutaram para sobreviver às pressões da modernidade e muitas vezes foram perseguidos, expulsos de suas florestas e desprezados como "dorobo", palavra que significa algo como "povo sem gado". De alguma forma eles sempre conseguiram sobreviver.
Hoje, porém, os pouco conhecidos ogiek, um dos últimos povos realmente caçadores e coletores da África oriental, enfrentam seu teste mais difícil. O governo do Quênia está se preparando para expulsar dezenas de milhares de habitantes, ilegais ou não, da floresta Mau, o lar ancestral dos ogiek e uma fonte de água crítica para todo o país. A pergunta é: os poucos milhares de ogiek restantes serão poupados, ou terão de sair à força?
"Diga a [Barack] Obama e seus homens para nos ajudar", pediu Daniel M. Kobei, líder ogiek que ainda parece surpreso com a ideia de que talvez tenham de deixar uma floresta que lutam há décadas para conservar. "Não é que sejamos especiais, mas essa floresta é nossa casa."
Sem dúvida a floresta Mau é crucial. Ela é ou, mais precisamente, costumava ser uma linda e densa floresta no oeste do Quênia, capturando as chuvas e a neblina e, em troca, alimentando mais de 12 lagos e rios de toda a região, chegando a contribuir para o fluxo do Nilo.
Mas, nos últimos 15 anos, por causa de esquemas de assentamento mal planejados (o governo basicamente dava pedaços de floresta para os amigos), 25% das árvores foram derrubadas. Grande parte da floresta hoje são simples campos. Os ogiek dizem que há menos antílopes e abelhas. Eles constantemente usam a palavra "haribika", que significa "estragado". Cientistas dizem que a destruição ambiental causou enchentes relâmpagos, mudanças no microclima, a erosão do solo e lagos secos.
Os resultados ficaram dolorosamente evidentes neste verão, quando a África oriental foi atingida por uma das piores secas em muitos anos. Em Nairóbi, capital do Quênia, as torneiras ficaram sem água durante semanas. E, como o Quênia recebe muita energia de hidrelétricas, a falta de água significou blecautes, que muitos quenianos acreditam que contribuíram para o recente aumento do crime e do desemprego.
De repente, o governo queniano pareceu entrar em ação, encomendando vastos relatórios ambientais e insistindo em expulsar todos os moradores da floresta Mau para que o governo possa plantar milhões de árvores e recuperar as fontes de água do país. Mas o súbito altruísmo ambiental também causou suspeitas. Muitos ogiek se perguntam se os políticos quenianos, famosos como dos mais corruptos do mundo, são motivados por outro tipo de verde.
"O governo quer a floresta por motivos econômicos, e não de conservação ambiental", disse Towett Kimaiyo, outro líder ogiek. "As únicas que vão se beneficiar são as madeireiras."
Ficou claro que as companhias de madeira continuam comendo grandes áreas de Mau, derrubando árvores gigantescas e transformando-as em portas e compensado para exportação.
"Não quero falar sobre isso", disse Julius Kavita, comissário do distrito, quando perguntado sobre o que está acontecendo. Ele disse que é "complicado" e parou por aí. Mas grupos ambientais do Quênia afirmam que políticos poderosos controlam as madeireiras, assim como os laticínios, as fazendas de chá e outros motores da economia local.
"Eu tenho uma pergunta", disse um menino ogiek em uma aldeia perto de Marashoni. "O governo vai nos expulsar ou não?"


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