São Paulo, segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DINHEIRO & NEGÓCIOS

Recessão modifica tradicional prudência fiscal da Alemanha

Por NELSON D. SCHWARTZ e JUDY DEMPSEY
A Alemanha quase certamente terá, no próximo ano, um deficit orçamentário maior que o da Itália.
Tradicionalmente, a Alemanha é a mantenedora da retidão fiscal no continente, temendo que os italianos e outros europeus meridionais gastadores possam minar o euro e reviver a inflação ao não reduzir suas dívidas.
Mas, em 2010, o deficit alemão deverá chegar a 6,5% de seu Produto Interno Bruto, enquanto o italiano deverá ser de 6,2%, segundo o Deutsche Bank.
"Há algo realmente estranho acontecendo aqui, com a Itália sendo mais prudente, a Espanha ficando mais séria e até os franceses falando em reduzir as aposentadorias", disse Gilles Moëc, do Deutsche Bank. "A Alemanha está estranhamente diferente."
É mais que uma questão de inversão de papéis.
A mudança alemã salienta como a situação política e econômica se alterou profundamente em Berlim, assim como quão desesperada está a chanceler (premiê) Angela Merkel para restabelecer o crescimento na maior economia europeia, ao começar o seu segundo mandato.
Diante da antiga aversão a empréstimos e gastos que moldou a política fiscal alemã desde a hiperinflação da era Weimar, na década de 1920, Merkel e seu novo ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, iniciaram um feroz debate ao propor cortes de impostos de 24 bilhões de euros, ou R$ 61 bilhões, em 2010 e 2011, em vez de atacar imediatamente o deficit orçamentário projetado do país.
"Quero que façamos o possível para criar as condições para um novo crescimento, mais forte", disse Merkel recentemente, expondo sua agenda em um discurso diante do Bundestag em Berlim. "Sem crescimento não haverá investimento. Sem crescimento, não haverá empregos. Sem crescimento não haverá dinheiro para a educação. Sem crescimento não haverá ajuda para os mais fracos."
Como a Alemanha, a maior parte da Europa luta com a forma de retirar gradualmente o estímulo econômico sem aumentar o desemprego, ainda crescente, ou atirar suas economias de volta à recessão.
Os termos do tratado que criou o euro supostamente limitam o deficit de cada país a não mais de 3% do PIB. Nenhum dos 16 países que usam o euro deverá atingir essa meta tão cedo, com o típico deficit orçamentário projetado para alcançar um recorde de 6,9% do PIB no próximo ano, segundo a Comissão Europeia.
Em 11 de novembro, a comissão -braço executivo da UE- deu à Alemanha, à França e à Espanha o prazo de até 2013 para retornar seu deficit orçamentário para menos de 3%. Mas não está claro se algum deles conseguirá alcançar essa meta.
Para Merkel, que se opôs acirradamente a um pacote de estímulos europeu durante a fase mais profunda da crise econômica no ano passado, a mudança de abordagem foi difícil de aceitar.
"A Alemanha foi uma espécie de símbolo de cautela e prudência para a Europa no que se refere aos gastos", disse Alfredo Boss, economista e especialista em política alemã do Instituto Kiel para a Economia Mundial, acrescentando que as novas propostas de Berlim "não são tipicamente alemãs". "Parece haver uma espécie de atitude de que os cortes fiscais vão se autofinanciar", ele afirmou. "É insensato. É uma atitude que predomina nos Estados Unidos, mas esse tipo de pensamento parece ser mais forte no novo governo [alemão]."
De fato, alguns destacados políticos alemães têm começado a repetir os argumentos do lado da oferta propostos pelo ex-presidente americano Ronald Reagan (1981-1989) e seus economistas na década de 1980 e replicados pelo Partido Republicano dos EUA desde então.
Entre os alemães comuns, o desejo de disciplina fiscal ainda é profundo, criando um ambiente para mais tensões no futuro se a economia estagnar.
Uma pesquisa publicada no mês passado pelo instituto independente Forsa mostrou que apenas 22% dos entrevistados querem cortes fiscais se eles causarem um maior deficit orçamentário e mais empréstimos públicos. Quase 70% foram contra a ideia.
Além disso, uma nova lei limita o deficit federal a 0,35% do PIB a partir de 2016, e não mais permite que os Estados federais tenham deficit a partir de 2020.
Mas Markus Heintzen, professor de economia na Universidade Livre de Berlim, supõe que essas metas serão muito difíceis de alcançar. "Tradicionalmente, a inflação é mais importante para os alemães do que a dívida do governo", ele disse. "Mas, hoje, veja como os Estados e os governos locais têm enormes dívidas e deficit. O público sabe que isso é preocupante."


Texto Anterior: Cartas ao International Weekly

Próximo Texto: Clássica, Burberry se atualiza para era da web
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.