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Vida cômoda esconde queixas de qatarianos
"Sempre acham o estrangeiro melhor [para os] empregos"
Por MICHAEL SLACKMAN
DOHA, Qatar - Os cidadãos de Qatar parecem levar uma vida boa. Dirigem carros
grandes, moram em casas grandes e recebem empréstimos grandes para comprar
relógios grandes e manter um estilo de vida exagerado.
Eles têm um exército de operários do mundo em desenvolvimento para construir um
reluzente "skyline" e para trabalhar em qualquer emprego que os locais
considerem inferior. E o país tem gás e petróleo em quantidade suficiente para
manter os bons tempos durante décadas.
Então por que tanta gente ali parece tão irritada?
O problema, segundo muitos qatarianos, é o ressentimento por serem tratados como
minoria no próprio país, o que de fato são. Os cidadãos locais representam
apenas 15% do 1,6 milhão de habitantes -uma esquisitice demográfica que alimenta
sentimentos de privilégio e vitimização.
"A prioridade é sempre o estrangeiro", disse Ali Khaled, 23, prestes a se formar
em Londres com uma bolsa do governo.
Seu primo Omar Ali, 24, que deixou o ensino médio para trabalhar como técnico em
uma empresa elétrica, concorda: "Sempre acham o estrangeiro melhor que um
qatariano em qualquer emprego, mesmo que o qatariano seja perfeito no trabalho".
Essa percepção tem um fundo de verdade. "Os qatarianos são muito mimados", disse
Mohammed Saffarini, árabe não qatariano e diretor de pesquisas da saúde do
Parque Científico e Tecnológico do emirado. "Eles só são valiosos neste contexto
cultural e político", acrescentou, argumentando que os locais com frequência não
têm habilidades, educação e qualificação para serem competitivos em muitas
outras economias.
Os qatarianos não se acham mimados. É claro que não pagam eletricidade, água,
educação e saúde e, quando se casam, recebem terrenos e empréstimos subsidiados
para construir casas. Têm direito a assistência governamental se ficarem sem
emprego, costumam receber pensões generosas e admitem rejeitar empregos que
julguem inadequados.
Mas eles também se queixam de receber salários menores que os estrangeiros, que,
segundo os locais, ficam com os melhores cargos em setores importantes, como
finanças, ensino superior e mídia.
"Há cerca de 300 empregados no meu trabalho, e só quatro ou cinco qatarianos",
disse Ali, o técnico da companhia elétrica. "Eu chego ao trabalho e me sinto na
Índia."
Segundo ele, os estrangeiros não se interessam em lhe ensinar novas habilidades.
Parte da frustração parece derivar da falta de um esforço para tratar das
diferenças. Os locais afirmam que, quando há queixas, os estrangeiros são
mandados para casa, enquanto os nativos perdem suas posições.
Tanto qatarianos quanto estrangeiros descreveram um contrato social que oferece
conforto material e recompensa financeira em troca da não contestação das
escolhas do governo. Qatar é uma monarquia constitucional, sob comando do xeque
Hamad bin Khalifa al Thani e do seu conselho ministerial. Para muitos, a
barganha vale a pena.
Mas há muitos outros que não estão dispostos a ficar passeando em silêncio nos
seus Mercedes, como Ahmed Abdul-Rahman Abdul-Malik, ex-âncora de telejornal. Ele
disse que ficou furioso por não ter sido contratado pela Al Jazeera, canal de TV
por satélite com sede em Doha, e tem escrito artigos num jornal queixando-se de
que os qatarianos são tratados como cidadãos de segunda classe.
"Encontrei meus amigos ontem à noite e brincamos que somos todos 'ex', o que
significa desempregados", disse, assumindo o volante de seu sedã Mercedes. Seu
relógio incrustado de diamantes cintilava sob as luzes do estacionamento.
Colaborou Mona El Naggar
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