São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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De caso com a máfia

Na teoria, o século 21 seria marcado por ameaças típicas, como redes terroristas globais ou sofisticados ataques cibernéticos. Mas em muitos lugares os problemas são mais familiares e antiquados: narcotráfico, prostituição, seqüestro e corrupção, sempre com as marcas do crime organizado.
Nos países em desenvolvimento, a instabilidade estimula a bandidagem. Mas pode ser difícil erradicá-la até mesmo em lugares mais prósperos e organizados.
No Japão, por exemplo, a máfia conhecida como yakuza é tolerada por regulamentar o jogo, a prostituição e outros negócios escusos, desde que não perturbe. No entanto, na cidade de Kurume, a população protestou quando uma disputa entre facções da Dojinkai, a yakuza local, gerou tiroteios nas ruas.
Conforme relatou Norimitsu Onishi no “New York Times”, mais de 600 moradores assustados recentemente foram à Justiça para tentar expulsar a Dojinkai da sua sede de seis andares em Kurume.
Esse tipo de movimento cívico é menos provável num país como a Bulgária, onde a disseminada influência das quadrilhas contamina até mesmo o Judiciário. A advogada Iva Pushkarova, diretora-executiva da Associação Búlgara de Magistrados, contou ao “New York Times” que os advogados estão cientes das ligações criminosas de alguns juízes.
“Como sabemos? Eles têm conexões conjugais ou laços empresariais com os chefões do crime organizado. São vizinhos”, explicou ela.
Em algumas partes do México, quadrilhas alimentadas pelo próspero comércio de drogas se diversificaram e passaram a seqüestrar. As famílias mais ricas do país reagiram contratando guarda-costas, vestindo roupas de grife à prova de balas e, em alguns casos, emigrando. “Há um êxodo relacionado à insegurança e uma psicose. Há medo de ser seqüestrado ou morto”, disse Guillermo Alonso Meneses, antropólogo do Colegio de la Frontera Norte, em Tijuana, a Marc Lacey, do “New York Times”.
Mas em lugares onde o governo mal existe, qualquer coisa organizada pode parecer uma dádiva, mesmo que seja o crime. Veja os ousados piratas somalis: capturando navios nas desprotegidas águas do oceano Índico —recentemente, fizeram o maior seqüestro naval da história, de um superpetroleiro saudita—, eles construíram um lucrativo negócio de cobrança de resgates, numa região marcada pela falta de oportunidades.
No leste do Congo, conforme relata o “New York Times” nesta edição (pág. 4), um garimpo de cassiterita administrado por uma brigada rebelde do Exército gera emprego a hordas de garimpeiros e carregadores e uma certa tranqüilidade a seus clientes.
“Para ser honesto, é melhor para nós que eles estejam aqui”, afirmou o comerciante de minérios Bakwe Selomba. “Posso mandar meus compradores andando pelo mato com um monte de dinheiro, e ninguém vai tocar neles desde que paguemos o imposto.”
A yakuza também alega promover a estabilidade no Japão. Em Kurume, Nobuyuki Shinozuka, 54, presidente-interino da Dojinkai, foi filosófico a respeito da ação judicial que seu grupo enfrenta —e sobre o lugar do crime organizado em qualquer sociedade. “O Estado é quem sabe”, afirmou ele. “Se o Estado sentir que não precisa mais de nós, pode aprovar uma lei banindo a yakuza. Mas se sentir, mesmo só um pouco, que ainda precisa de nós, então vamos encontrar uma forma de sobreviver.”


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