São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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O perigo de negociar com a Rússia

Agentes armados "recepcionam" empresas na Rússia

Por ANDREW E. KRAMER

MOSCOU - Exxon Mobil, bem-vinda ao mundo do "show mascarado".
Um dia depois de a gigante americana do petróleo selar uma aliança estratégica com a estatal russa do setor, policiais de Moscou fizeram uma demonstração explícita do que pode acontecer com sócios estrangeiros que se desentendem com o governo.
Agentes portando fuzis vasculharam a filial da britânica BP em 31 de agosto e 1° de setembro, num ritual de buscas armadas que de tão comum já ganhou até apelido: "shows mascarados" (por causa dos capuzes que os agentes costumam usar, embora desta vez, segundo se soube, eles tenham chegado de cara limpa).
O episódio parecia servir de aviso à Exxon de que, quando se trata de lidar com o mundo empresarial-estatal do primeiro-ministro Vladimir Putin, ela não está mais no Texas. Aqui, as regras do jogo são outras.
"Tenho certeza de que aquele incidente deixou a Exxon muito desconfortável, um dia depois de ter assinado o acordo", disse Matthew Lasov, diretor de pesquisas do Frontier Strategy Group, consultoria voltada a empresas que operam em países em desenvolvimento.
A Exxon não quis se pronunciar sobre o assunto.
A BP, em seu longo histórico na Rússia, já teve tantos atritos com a polícia que o preço das suas ações geralmente mal se altera quando há buscas policiais ou prisão de funcionários.
O gás e o petróleo da Rússia representam cerca de um quarto da produção da BP -mais ou menos o mesmo percentual que as operações da empresa no Alasca e no golfo do México.
O acordo firmado em 30 de agosto entre a Exxon e a Rosneft prevê a prospecção conjunta de petróleo nas águas russas do oceano Ártico e no mar Negro.
A Rosneft, por sua vez, obterá pleno acesso às operações da Exxon, inclusive no Texas e no golfo do México.
Após a batida policial na BP, o Eurasia Group, empresa de análise de riscos, enviou nota aos seus clientes dizendo que "a política do setor energético russo continua traiçoeira, como demonstra a incursão de 31 de agosto na filial da BP em Moscou".
A ação policial na BP decorreu de um processo judicial aberto por acionistas minoritários da joint-venture TNK-BP.
Eles argumentam que a BP derrubou o valor das suas ações ao fechar neste ano um acordo com a Rosneft que acabou cancelado devido à oposição apresentada pelos principais sócios russos da TNK-BP.
Foi um constrangimento para Putin, que havia inicialmente dado aval à parceria BP-Rosneft.
Um tribunal na cidade siberiana de Tyumen autorizou as buscas nos escritórios de Moscou, segundo a BP e um advogado dos minoritários. O alvo das buscas aparentemente eram documentos solicitados no processo, mas que a BP se negava a entregar, de acordo com Vladimir Buianov, porta-voz da BP.
Os agentes, que tinham nos uniformes emblemas amarelos com os dizeres "Forças Especiais", acompanhavam dois investigadores federais desarmados. A polícia enxotou os funcionários e começou a vasculhar a papelada da companhia.
Apesar dos fuzis, "não houve grande pânico", contou um funcionário da BP. O funcionário, que insistiu no anonimato, descreveu os policiais armados como educados. "Eles eram só um grupo de sujeitos com emblemas das forças especiais, em trajes pretos, com rifles de assalto -nada de extraordinário."
Jeremy Huck, presidente da BP da Rússia, disse: "Acreditamos que essas ações legais são desprovidas de mérito e parecem ser parte de uma campanha de pressão contra os negócios da BP na Rússia".
Em outro incidente, em 2008, as autoridades migratórias e trabalhistas revogaram vistos e autorizações de trabalho de executivos estrangeiros da BP -inclusive Robert Dudley, então diretor da TNK-BP e hoje executivo-chefe da BP.
Dudley foi obrigado a deixar a Rússia e a gerenciar a TNK-BP a partir de um local não revelado.
Há anos, com qualquer questão judicial que seja, os empresários estrangeiros na Rússia imploram ao governo para que evite essas ações policiais em casos do colarinho branco. Seus protestos têm tido poucos resultados.
Em fevereiro, agentes mascarados e armados entraram na principal filial do Deutsche Bank em Moscou,, alegando que buscavam documentos relativos a uma hipoteca comercial.
O episódio também não foi esclarecido ou explicado pelas autoridades russas.
"É bom fazer negócios aí", afirmou o consultor Lasov, numa entrevista por telefone de Washington. "Mas é preciso fazer negócios com esse tipo de expectativa."

Contribuiu Olga Slobodchikova, reportagem de Moscou


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