São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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Órfãos portadores de HIV aprendem lição amarga no Vietnã

Por SETH MYDANS
AN NHON TAY, Vietnã - O primeiro dia de aula, em setembro, era um dia especial para as 15 crianças do orfanato Mai Hoa, em An Nhon Tay. Elas são portadoras do HIV, o vírus causador da Aids, e pela primeira vez seriam autorizadas a frequentar a escola primária local.
"As crianças estavam tão empolgadas", disse a irmã Nguyen Thi Bao, que dirige o orfanato vietnamita e lutava havia três anos para matricular os órfãos na escola pública local. "Elas não viam a hora de esse dia chegar."
Quando chegaram à escola, entretanto, deram de cara com uma revolta por parte dos pais de outros alunos, que se negaram a deixar seus filhos entrarem na sala de aula junto com os órfãos soropositivos. Alguns dos pais recuaram apressadamente quando os órfãos passaram ao lado deles.
Depois de um breve impasse, o diretor da escola, que tinha concordado em aceitar os órfãos, disse à irmã Bao que os documentos deles não estavam em ordem e que eles não poderiam ficar.
As crianças voltaram ao orfanato, a curta distância a pé por uma estrada rural. "Eu estava tão feliz por poder ir à escola", disse uma menina de 12 anos cujo nome a irmã Bao insistiu em que não fosse divulgado, para preservá-la. "Mas, então, vi que alguns pais não iam deixar seus filhos irem ao colégio comigo, porque têm medo de minha doença."
A garota disse que entendia a reação dos pais. "Se eu fosse uma criança normal, também teria medo, porque eu não entenderia", disse ela. "Eu me sentiria do mesmo jeito. Mas eu não teria agido como eles agiram."
Desde então, a irmã Bao e autoridades do distrito e da Escola Primária An Nhon Dong fizeram reuniões com pais de alunos, mas estes permanecerem irredutíveis. "Não quero que meu filho conviva com as crianças aidéticas", disse Nguyen Thi Thuy, 36, quando levou seu filho de oito anos ao colégio outro dia. "Ele pode se machucar, e é fácil transmitir a doença pelo sangue. E, uma vez que a pessoa é contaminada, fica difícil ser uma pessoa normal outra vez."
Um a um, pais que chegavam com seus filhos manifestaram sua concordância com Thuy. Se os órfãos voltassem, disse um homem que se identificou apenas como Tao, ele prometeu tirar a tirar seu filho da escola.
Para Eamonn Murphy, diretor para o Vietnã da Unaids, a agência das Nações Unidas de combate à Aids, a história não surpreende. "Basta ir a qualquer ambiente rural na Ásia, e você verá reações semelhantes", disse ele. "A falta geral de informações leva a essa reação e a esse medo injustificados."
A maioria dos pais em An Nhon Tay é formada por camponeses com pouca instrução, mas o preconceito parece estender-se também à população urbana.
"Não sei por que não isolamos os aidéticos", comentou um funcionário público em Ho Chi Minh, a cerca de 30 quilômetros a sudeste do vilarejo. "Mesmo no caso de gripe suína isolamos os doentes, e a Aids é muito mais perigosa."
De acordo com Murphy, esses receios são infundados. "O HIV não se contrai em contatos comunitários, mesmo que você compartilhe xícaras e pires com aidéticos e coma de um prato comum. Não se contrai o HIV dessa maneira."
O Centro Mai Hoa de Aids, com sua área verde e tranquila, foi fundado em 2003 por uma ordem religiosa católica para cuidar de aidéticos nos estágios finais da doença. O orfanato foi criado depois, para cuidar dos filhos de pessoas que morreram no local.
As crianças também são soropositivas, disse a irmã Bao, mas tomam medicação antirretroviral. Assim, os órfãos de Mai Hoa vivem suspensos entre a morte que ocupa o espaço atrás de suas salas de aula e a vida de um mundo que está quase ao lado, mas que os rejeita.
"As crianças dizem que querem ir à outra escola porque querem ter amigos", disse a irmã Bao. Mas a menina de 12 anos, que está na quarta série, parece ter mudado de ideia. "Não quero mais ir àquela escola", disse ela. "Já tenho amigos suficientes aqui."

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