São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Tradição ou educação? Um mulá concilia os dois

Por JIM YARDLEY

AKKALKUWA, Índia - Em lados opostos de uma rua de terra, milhares de estudantes muçulmanos nesta cidade agrícola distante se preparam para futuros muito diferentes. De um lado, no interior de um seminário islâmico tradicional, garotos adolescentes usando gorros estudam textos antigos, a fim de se tornarem imãs. Do outro lado da rua, estudantes sentam-se diante de computadores em salas de aula de uma faculdade, estudando para virem a ser médicos, farmacêuticos e engenheiros.
A distância entre eles é de mais ou menos 15 m, mas poderia ser de cinco séculos. Quem ocupa o meio de campo é um clérigo muçulmano barbado, o mulá Ghulam Mohammed Vastanvi, que passou dez anos criando uma ponte entre ensino tradicional e moderno para muçulmanos. A partir de seus campi, em Akkalkuwa, ele construiu uma rede de escolas religiosas, hospitais e faculdades que atende a mais de 150 mil estudantes em todo o país.
"Se você quer avançar na vida, precisa seguir o rumo em que o mundo está andando", disse o mulá Vastanvi. "E a educação é crucial para isso."
O sucesso de sua empreitada levou o mulá a ser escolhido em janeiro para o cargo de reitor do mais prestigioso e influente seminário islâmico da Índia, Darul Uloom. O seminário é conhecido por sua repreensão ortodoxa à modernidade, e o mulá está envolto em uma luta pelo controle.
O mulá Vastanvi desencadeou uma discussão entre muçulmanos indianos sobre a necessidade de reforma da sociedade islâmica, ao mesmo tempo em que busca resposta para as frustrações daqueles que estão ansiosos por líderes religiosos mais sintonizados com o mundo moderno.
"As pessoas estão fartas dos costumes antigos", disse Shahid Siddiqui, editor do jornal muçulmano "Nai Duniya". "Querem desenvolvimento, querem crescimento. Precisamos de pessoas como Vastanvi, que simbolizam a luta para levar os muçulmanos para a modernidade." Fundado em 1866, o seminário Darul Uloom formou milhares de imãs que fundaram escolas islâmicas no sul da Ásia e da África.
Hoje, Darul Uloom é mais conhecido na Índia por emitir fatwas ou pareceres religiosos. Esses pareceres, com frequência ignorados pela maioria muçulmana na Índia, já incluíram editos contra mulheres que trajam jeans, contra homens e mulheres trabalhando juntos em escritórios e contra a prática de recolher juros sobre depósitos bancários.
O mulá Vastanvi tinha proposto a revisão dos fatwas, quando se viu envolvido em uma controvérsia. Em entrevista à imprensa em urdu, ele foi citado como tendo dito que os muçulmanos da Índia precisavam focar o progresso econômico e superar os tumultos sectários de 2002, em Gujarat, nos quais hindus depredaram áreas muçulmanas, deixando cerca de mil mortos.
O mulá disse que sua fala foi incorretamente reproduzida. "Eu disse ao jornalista que, nos dias de hoje, os muçulmanos devem avançar na educação e nos negócios", disse. O resultado foi tempestade na mídia, e o mulá respondeu, oferecendo renúncia.
No final de fevereiro, o conselho de direção da escola formou um comitê para investigar a controvérsia e pôs as operações diárias do seminário sob a direção de um reitor temporário.
Enquanto isso, muitos clérigos muçulmanos jovens, incluindo alguns de Darul Uloom, se uniram em torno do mulá Vastanvi.
"Entre os estudantes, a maioria está muito satisfeita com a nomeação de Vastanvi", disse Mohammad Asif, 22, aluno de Darul Uloom. "Ele fala da boa educação, da educação moderna. Está fazendo coisas boas para a comunidade muçulmana."

Com reportagem de Hari Kumar


Texto Anterior: Tendências Mundiais
Inteligência - Erhard Stackl: Lições de um ditador

Próximo Texto: Análise do noticiário: Desafiando sanções, um déspota sobrevive
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.