São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2011

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ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

Escolhendo lados na divisão sunita-xiita

Participação saudita pode atiçar ódio contra americanos

Por MICHAEL SLACKMAN

CAIRO - O rei Abdullah da Arábia Saudita mostrou que aprendeu uma lição com os levantes democráticos no Oriente Médio: o mundo pode aplaudir quando os autocratas renunciam, mas escolhe cuidadosamente quais autocratas vai punir por disparar contra seus cidadãos.
Esse capítulo cínico da realpolitik parece ter levado o rei a enviar suas tropas pela estrada para Bahrein, onde elas ajudaram na violenta repressão contra manifestantes desarmados.
A medida transformou Bahrein na última batalha substituta entre Irã e Arábia Saudita pelo predomínio regional. E colocou em questão qual modelo de estabilidade e governança vai prevalecer no Oriente Médio, e qual Washington ajudará a construir: o do consenso e da esperança na democracia ou o da dependência de homens fortes que semeiam o medo enquanto protegem interesses americanos.
Irã e Arábia Saudita se enfrentaram em muitas ocasiões desde a revolução islâmica de 1979 no Irã -teocracia muçulmana xiita em Teerã versus monarquia muçulmana sunita conservadora em Riyad. A animosidade foi evidente no apoio da Arábia Saudita ao Iraque durante sua guerra com o Irã e aparece no apoio do Irã ao Hizbollah no Líbano.
Hoje, após uma década que pareceu pender a balança regional para o Irã, a Arábia Saudita decidiu que Bahrein era o lugar para começar a inclinar os acontecimentos na direção oposta. Enviou tropas para Bahrein, pois a maioria dos manifestantes eram xiitas desafiando um rei sunita.
"Se a oposição política no Bahrein vencer, a Arábia Saudita perde na região", disse Mustafa el Labbad, diretor do Centro Al Sharq para Estudos Regionais e Estratégicos no Cairo.
E, como os EUA não apoiaram as demandas dos manifestantes, a repressão ajudada pelos sauditas poderá gerar animosidade contra os americanos e sua base naval em Bahrein. Um especialista americano disse que a ação do rei saudita "é arriscada e poderá nos colocar em conflitos que não desejávamos". "E se a empreitada em Bahrein falhar, quem vai salvá-los? Teremos de ser nós."
Não houve evidências de que o Irã participou do levante em Bahrein. Mas muitos manifestantes disseram que é razoável esperar que os xiitas sejam mais receptivos ao Irã se conquistarem o poder. Abbas Milani, um iraniano exilado que é diretor de estudos iranianos na Universidade Stanford, na Califórnia, colocou desta maneira: "O Irã, como o regime autoritário mais brutal da região, agora terá a oportunidade de parecer apoiar as aspirações democráticas da população, contra os autoritários que se agarram ao poder".
A decisão do rei saudita de apoiar a repressão do rei Hamad bin Isa al Khalifa no Bahrein também salientou o desafio que os EUA muitas vezes enfrentam com seus aliados mais próximos no Oriente Médio, onde alguns interesses se alinham -como proteger o fluxo de petróleo- e outros não, como financiar o terrorismo global. A Arábia Saudita agiu agressivamente para cortar o terrorismo islâmico radical dentro de suas fronteiras, mas abordou o fenômeno global com muito menos convicção, segundo vários especialistas americanos.
Um efeito da repressão foi salientar o fracasso do presidente Barack Obama em superar o abismo nas expectativas entre seu discurso histórico sobre democracia no Cairo em 2009 e seus atos concretos. As contorções necessárias para preservar o antigo modelo de estabilidade enquanto se apoiam as aspirações democráticas ficaram extremamente claras em um comentário do senador John Kerry, aliado do presidente. "Elas não estão procurando violência nas ruas", disse o senador sobre as tropas sauditas que avançaram para Bahrein. "Elas gostariam de incentivar o rei e outros a empreender reformas e diálogo."
O tempo rapidamente provou que estava errado. A violência começou no dia seguinte. "Onde estão os americanos, por que estão permitindo isso, eles estão nos matando com armas pesadas, onde estão os americanos?", gritou Hussein Muhammad, 37, dono de livraria e ativista político, em ligação telefônica de Manama.
Enquanto Washington pressionava por contenção, continuou apoiando a monarquia.
"Meu palpite é que provavelmente há partes muito importantes de nosso governo que estão contentes com isto", disse Daniel Kurtzer, professor na Universidade Princeton em Nova Jersey, que foi embaixador no Egito no governo Bill Clinton e em Israel sob o presidente George W. Bush. "Mas elas não podem dizer isso, porque outras partes do governo consideram desestabilizador. Acho que partes de nosso governo estão examinando a ameaça iraniana e a possibilidade de Bahrein ser a primeira peça de dominó a cair no Golfo."


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