São Paulo, segunda-feira, 28 de março de 2011

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DIÁRIO DE BOLZANO

Uma cidade que representa a fragmentação italiana

Por RACHEL DONADIO

BOLZANO, Itália - Esta cidadezinha pitoresca nos contrafortes dos Alpes tiroleses tornou-se italiana por um acaso da história, quando Itália e Áustria firmaram um pacto após a reviravolta da Primeira Guerra Mundial. Com sua maioria de língua alemã e sua elegância contida, a cidade ainda aparenta ter mais proximidade com Viena do que com Roma.
Assim, não chegou a surpreender quando o presidente da província autônoma de Bolzano anunciou que não participaria das festividades nacionais planejadas para este mês a fim de comemorar o 150° aniversário da unificação da Itália.
"Fomos tirados da Áustria contra nossa vontade", disse o presidente, Luis Durnwalder, em entrevista na vizinha Trento. "Respeito as pessoas que desejam comemorar, mas eu mesmo não vejo razão para celebrações."
Mas Durnwalder, que ajudou Bolzano a negociar sua autonomia de Roma e os polpudos subsídios que recebe do Estado, não é o único cético. Umberto Bossi, líder da Liga do Norte, o partido mais poderoso da coalizão de centro-direita do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, descreveu as comemorações como "inúteis e um pouco retóricas", e alguns membros de seu partido têm se recusado a ficar em pé quando é tocado o hino nacional.
Mais além do teatro político, a polêmica reflete realidade: no momento em que a Itália comemora seu 150° aniversário, o país está mais dividido que nunca -política, geográfica e economicamente. A Itália sempre foi mais uma colcha de retalhos de regiões dotadas de identidades locais fortes que um Estado-nação forte. E os festejos da unificação vieram ressaltar as divisões.
Mesmo hoje, a maioria dos italianos se vê como filhos de suas cidades ou regiões natais, mais que filhos de seu país. O professor de história italiana John Foot, do University College de Londres, aponta para rejeição crescente de uma minoria de italianos do "Estado-nação atual e a forma como foi organizado".
"Acho que a rejeição pode vir a radicalizar-se mais e mais se forem implementadas formas radicais de federalismo", disse Foot. "Haveria uma crise institucional -não uma guerra civil, mas uma situação à moda da Bélgica, em que é impossível formar um governo, em que as regiões se fortalecem a tal ponto que viram minipaíses."
Outros enxergam esse tipo de divisão como sendo tão intrínseco do projeto italiano -uma família grande e desordenada, unida pela língua e pela religião, eternamente se desentendendo, mas nunca se dissolvendo de fato- que não representa ameaça.
"O que está ocorrendo na Bélgica jamais acontecerá aqui", disse Giuliano Amato, ex-primeiro-ministro que preside o comitê do aniversário nacional. "Precisamos continuar unidos para que possamos continuar a discutir", ele acrescentou em tom irônico. "Se não, como poderíamos continuar a brigar?"


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