São Paulo, segunda-feira, 29 de março de 2010

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Dança ajuda diplomacia cultural dos EUA

Dançarinos tentam trocar movimentos por boa vontade

Por ROSLYN SULCAS

GRAHAMSTOWN, África do Sul - Num salão municipal no subúrbio de Joza, quase cem crianças e adolescentes olhavam apreensivamente para Ronald Brown, diretor artístico da companhia nova-iorquina de dança Evidence. Enquanto sete bailarinos organizavam gentilmente as crianças em filas, outro dançarino, Joel Sulé Adams, marcava um ritmo tocando tambores, e Brown começava a agitar os braços em círculos simples.
As crianças, muitas das quais falavam mal inglês, seguiam atentamente, perdendo a timidez inicial conforme a música tomava conta. Brown lentamente construiu sequências rítmicas mais complexas, e os jovens começaram a sorrir e a injetar energia e alegria na dança. Depois, sentaram-se em fileiras de cadeiras diante de Brown e levantaram as mãos avidamente, bombardeando-o com perguntas: "Como vocês se reuniram?"; "Como se sente por estar na África do Sul?"; "Como você chama o seu tipo de dança?"; "Como podemos aprender a dançar assim?".
Era o primeiro dia da visita da companhia ao país, como parte de uma turnê patrocinada pelo Departamento de Estado dos EUA, primeira grande iniciativa desse tipo envolvendo a dança em mais de 20 anos. Assim como duas outras companhias de dança dos EUA, a ODC/Dance (que foi a Mianmar, Indonésia e Tailândia) e a Urban Bush Women (atualmente percorrendo Brasil, Colômbia e Venezuela), a Evidence é um recém-oficializado instrumento de intercâmbio cultural.
Durante sua turnê de um mês -que incluiu também Senegal e Nigéria-, ela descobriria tanto o estimulante potencial quanto as graves limitações de tal papel.
Joza fica a dez minutos de carro e a um mundo de distância de Grahamstown, onde a companhia se hospedava em uma confortável pousada. Grahamstown -com suas ruas amplas e arborizadas, restaurantes e instalações culturais- forma um nítido contraste com as casas simples e os barracos de Joza.
Naquele dia, a Evidence almoçou -buchada, picadinho de soja com molho de tomate e polenta- em uma dessas casas: uma estrutura de concreto feita pelo governo, com um só cômodo e privada, mas sem lavatório à parte. Contendo só uma cama, algumas prateleiras raquíticas e dois grandes tambores, esse é o lar de Vuyo Booi, um homem franzino, de sorriso amplo, que é o fundador do Sakhuluntu, comunidade artística informal que ele criou em 1998 junto com algumas crianças. Ali é também um improvável oásis cultural em Joza, onde cerca de 45 crianças recebem aulas de música, dança, teatro e literatura, dadas por Booi, por Merran Marr (que dirige o Sakhuluntu junto com ele) e por alguns voluntários adolescentes.
Mas a discussão da tarde revelou que superar as diferenças culturais e sociais não é só questão de boas intenções e boa vontade.
"Como devemos lidar com a falta de interesse dos pais que são alcoólatras ou dependentes de drogas?", questionou Booi. "Como manter as crianças afastadas de amigos que vão influenciá-las a usar bebida e drogas? Como mantemos motivados esses jovens, que não recebem pagamento?"
Brown fez o que pôde, respondendo com histórias da sua vida e da juventude no Brooklyn, e citando problemas da sua própria comunidade.
Após duas horas, Marr disse, ligeiramente melancólica, que talvez apenas se sentar em uma sala com dançarinos americanos já fosse uma motivação para os jovens. "Mesmo se os problemas deles não puderem ser resolvidos por uma conversa como esta, isto os conecta a algo maior", afirmou.
Ninguém de nenhuma das companhias envolvidas nas turnês do Departamento de Estado relatou qualquer sentimento anti-EUA.
Mas, "quando os americanos pensam na Colômbia, pensam em cartéis de drogas e sequestros", disse Jawole Willa Jo Zollar, diretora artística do grupo Urban Bush Women, falando de Cali, segunda etapa da sua turnê sul-americana. "Na verdade, é uma incrível cultura musical, e tem sido uma revelação ver como a dança e o canto e a música são parte do cotidiano. Em um nível de indivíduo para indivíduo, aprende-se muito mais sobre a amplitude e profundidade dessas culturas."
Em Mianmar, os membros da ODC/Dance chegaram a duvidar de que se apresentariam. "Nunca nos sentimos ameaçados", disse Brenda Way, diretora artística da companhia. "Houve só bastante ansiedade sobre se tínhamos as autorizações corretas e tal. O controle político é, na verdade, muito sutil. Nossos alunos estavam curiosos e algo apreensivos. Foi profundo experimentar uma necessidade de expressão artística naquele nível, e realmente tocante para mim. Foi fantástico que os jovens estivessem vendo nossos jovens, e essa seria a imagem que eles levariam: assim são os EUA."


Colaborou Julie Bloom


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