São Paulo, segunda-feira, 29 de junho de 2009

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TENDÊNCIA MUNDIAIS

Chineses injustiçados procuram apoio on-line

Por MICHAEL WINES

PEQUIM — Houve época em que a história da garçonete de 21 anos que esfaqueou e matou um funcionário do Partido Comunista que tentava estuprá-la nunca teria saído das estradinhas rurais da Província de Hubei, onde aconteceu.
Em lugar disso, a prisão da garçonete, em maio, por suspeita de homicídio culposo voluntário, explodiu em um furor on-line que converteu a moça em heroína nacional e reverberou até a capital da China, onde censores mandaram proibir imediatamente todos os comentários incendiários. Autoridades de Hubei chegaram a restringir a cobertura de TV e tentaram bloquear as viagens à cidade.
Em 16 de junho, com presteza inesperada, um tribunal de Hubei inocentou a garçonete, Deng Yujiao, decretando que ela agiu em defesa própria.
O caso de Deng é apenas o mais recente e destacado entre vários nos quais a internet abriu um canal para cidadãos manifestarem descontentamento com a conduta oficial, mostrando o potencial da rede como catalisadora de transformações sociais.
As reações do governo levantam perguntas quanto ao poder que as autoridades possuem para controlar o que chamam de “incidentes de massa on-line”. Especialistas dizem que os estimados 300 milhões de internautas chineses estão despertando para a ideia de que, mesmo na China, às vezes é possível combater as autoridades.
“Trata-se de conscientizar o público das ideias democráticas: responsabilidade, transparência, o direito de participação pública dos cidadãos, a ideia de que o governo deve servir ao povo”, disse Xiao Qiang, professor de jornalismo na Universidade da Califórnia, em Berkeley, que monitoria a atividade chinesa na web. “Os internautas estão aproveitando esses casos e cada vez fazendo pequenos avanços.”
A China ainda exerce controle abrangente e sofisticado sobre a internet e emprega milhares de pessoas para monitorar a rede, usando softwares para localizar palavras-chave que possam ser indicativas de subversão. Mas o sistema não é infalível, e os internautas freqüentemente encontram maneiras de driblar a censura.
No início do ano, um furor on-line expôs o acobertamento por autoridades carcerárias de um incidente em que um detento foi espancado até morrer. No momento, são funcionários governamentais da Província de Yunnan que estão suscitando ultraje pela maneira encontrada de combater um surto de raiva animal: despacharam “equipes de matadores” que, segundo relatos, mataram 50 mil cães por espancamento. Nem todas as cruzadas são inteiramente voltadas ao interesse público. Em vários casos, turbas virtuais assediaram autoridades que provocaram ultraje, postando informações pessoais e outras a seu respeito. O apelido dado a essas turbas, “motores de busca de carne humana”, dão um indício de sua natureza impiedosa.
Mas as campanhas na web vêm rendendo resultados. Os massacres de cães em Yunnan têm provocado críticas acirradas, mesmo em jornais estatais.
Segundo Xiao, o professor de Berkeley, a maioria dos casos desse tipo gera dezenas ou centenas de milhares de menções em blogs e outros fóruns na internet. Mas o caso de Deng ultrapassou todos os outros, tendo até agora rendido 4 milhões de posts. A história dela comoveu os chineses, que não apenas estão fartos da corrupção entre funcionários públicos, como também valorizam a castidade nas mulheres jovens. São causas que transcendem a política.
“Deng Yujiao é a metáfora de alguém que, agredida, se defende contra as autoridades, e, é claro, as autoridades são aqueles corruptos e que abusam dos cidadãos comuns”, disse ele. “É quase um estereótipo da imagem que se tem das autoridades. Por isso, o caso ganhou dimensões tão grandes.” Em maio, um grupo de jovens apareceu repentinamente no centro de Pequim, carregando nos ombros uma mulher envolta num pano branco. Deitaram a mulher no chão e colocaram cartazes em torno dela, para depois fotografá-la. Os cartazes diziam “qualquer pessoa poderia ser Deng Yujiao”. As fotos apareceram na internet imediatamente.


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