São Paulo, segunda-feira, 29 de agosto de 2011

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Amando clandestinamente no Irã

Um filme que vai chocar os líderes religiosos do país

Por LARRY ROHTER

Pouco antes de começar a rodar "Circumstance", sua primeira experiência na frente de uma câmera, a estudante de direito e futura atriz Sarah Kazemy viajou da França, onde vive, para visitar parentes no Irã. Ela previa que o filme, que trata do romance lésbico de duas adolescentes de Teerã em revelia a uma teocracia islâmica puritana, tornaria difícil para ela retornar ao país no futuro próximo.
"Tenho orgulho do fato de este filme mostrar um pouco da vida underground no Irã", mesmo que ofenda os mulás, "porque as pessoas não têm ideia de que uma coisa dessas sequer exista, e que ela é maior do que se pode imaginar", disse Kazemy. "Até os 17 anos eu passava meus verões no Irã, então senti necessidade de ir para lá uma última vez."
Em "Circumstance", que estreou nos EUA em 26 de agosto e será lançado na França e Suécia em dezembro, Kazemy, 22 anos, representa Shireen, cuja amizade com sua colega de classe Atafeh (Nikohl Boosheri) se torna erótica enquanto elas percorrem um circuito de festas proibidas com bebidas, drogas, dança, música ocidental em alto volume e filmes ilícitos.
Maryam Keshavarz, que escreveu e dirigiu o filme com um orçamento de menos de US$1 milhão, é americana de origem iraniana. Parte do filme é baseada em suas próprias observações. Embora ela tenha crescido nos Estados Unidos, passava seus verões com primos em Shiraz, no sul do Irã.
As sequências de festas retratam eventos que ela testemunhou quando era adolescente, e o mesmo se aplica a algumas das cenas que mostram o tratamento brutal dado pela polícia da moral a suspeitos, disse a diretora, mencionando um primo que foi açoitado depois de ser flagrado ouvindo música em alto volume dentro de seu carro.
Para os três papéis principais do filme, Keshavarz, 36 anos, procurou outras pessoas da diáspora iraniana. Boosheri cresceu em Vancouver, e Reza Sixo Safai, na Califórnia.
Os três são filhos de pais que deixaram o país na época da revolução iraniana de 1979. Apenas Boosheri, 23, cujos pais eram oficiais militares que fugiram para o Paquistão, não passou tempo no Irã visitando parentes.
Com a exceção de algumas poucas frases em inglês, "Circumstance", que é o primeiro longa-metragem fictício de Keshavarz, é falado em persa. A diretora disse que quer alcançar os exilados criados pela revolução iraniana. Mesmo dentro do Irã, onde o filme provavelmente será proibido, provavelmente as pessoas terão acesso a cópias contrabandeadas. Logo, "a autenticidade é importante, e isso começa com a língua", disse ela.
Como filmar no Irã era evidentemente fora de questão, Keshavarz escolheu Beirute. Mas o Hizbollah, o poderoso partido político e força armada xiita que os Estados Unidos classifica como grupo terrorista, tem sede no Líbano e recebe apoio da teocracia iraniana, por isso os responsáveis por "Circumstance" temiam que a notícia sobre a natureza do seu projeto pudesse vazar e provocar represálias.
Um roteiro modificado foi, então, apresentado às autoridades libanesas, às quais foi dito, além disso, que o projeto era apenas o trabalho de tese de Keshavarz, e não um filme comercial. "A palavra Irã nunca chegou a ser mencionada, e o roteiro estava em inglês", disse Keshavarz.
No último dia de produção a polícia quase fechou a filmagem por pensar que o elenco estivesse fazendo um filme pornográfico.
Keshavarz disse que não se propôs a fazer um filme político, pelo menos não no sentido convencional. Mas, como observa um de seus personagens em uma cena engraçada em que quatro jovens dublam um episódio de "Sex and the City" e a performance de Sean Penn em "Milk - A Voz da Igualdade", para distribuição clandestina, "neste lugar, tudo o que é ilegal é subversivo".
Essa realidade confere a "Circumstance" _que conquistou prêmio do público no renomado Festival de Cinema Sundance, em janeiro_ um tom especialmente desafiador.
"Quando o Estado controla cada parte de sua vida pessoal, sua vida pessoal se torna política", disse Keshavarz, "e isso se aplica a como você se veste, quem você ama e como você interage com pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes."


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