São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

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Protecionismo em marcha

China Photos/Getty Images
Migrantes deixam Cantão (china) após o fechamento da fábrica onde eles trabalhavam, por causa da redução na demanda internacional

Por NELSON D. SCHWARTZ

Desde que foi fundada por seu bisavô, em 1880, a empresa de Carl Martin Welcker em Colônia, na Alemanha, reflete os destinos da manufatura no mundo todo.
Isso vale ainda hoje. Em um padrão comum a indústrias da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos, Welcker diz que sua empresa, a Schütte, que produz as máquinas das quais saem 80% das velas de ignição do mundo, enfrenta "uma tragédia". As encomendas caíram 50% em um ano, e Welcker está reduzindo custos e cogitando demissões para evitar que a Schütte se endivide. O declínio da indústria não chega a ser surpreendente, mas a profundidade e a velocidade do mergulho são notáveis e -o que é mais preocupante para os economistas- criam um efeito cascata semelhante ao que levou à Grande Depressão. Na Europa, por exemplo, onde a manufatura representa quase 20% do PIB, a produção industrial está 12% abaixo de um ano atrás. No Brasil, caiu 15%; em Taiwan, assustadores 43%.
Mesmo na China, o chão de fábrica do mundo, o crescimento da produção se desacelerou, com uma queda de 25% nas exportações e milhões de demissões. Nos EUA, a produção industrial caiu 11% em fevereiro em comparação a um ano antes, segundo estatísticas divulgadas em 16 de março pelo Federal Reserve (Banco Central). "A manufatura caiu do penhasco, e é certamente o maior declínio desde a Segunda Guerra Mundial", afirmou Dirk Schumacher, economista-sênior para a Europa do banco Goldman Sachs em Frankfurt.
O padrão apresentado pela indústria e pelo comércio remete agourentamente para a forma como a crise econômica de 1929 cresceu até virar a Grande Depressão: o aperto do crédito e o medo dos consumidores reduziram a demanda por bens manufaturados, de país em país, criando uma espiral negativa que abalou o comércio global. "O mergulho da indústria sugere que, por piores que as coisas tenham sido no quarto trimestre, estão agora pelo menos tão ruins quanto", disse Robert Barbera, economista-chefe da empresa nova-iorquina de pesquisa e mercado ITG. "É um clássico círculo vicioso. Ele não vai se corrigir rapidamente."
Isso quer dizer que mais trabalhadores devem se preparar para perder o emprego nos próximos meses no mundo, já que as indústrias continuam cortando a produção, especialmente ante a retração no comércio global. Na verdade, o comércio encolhe ainda mais rapidamente do que a produção.
As exportações alemãs estão 20% abaixo de um ano atrás, as do Japão despencaram 46%, e nos Estados Unidos as exportações caíram a uma taxa anualizada de 23,6% no quarto trimestre de 2008. Welcker diz que nunca viu nada assim. Para buscar paralelos, precisa recuar à Grande Depressão e à Segunda Guerra Mundial, quando a fábrica da Schütte foi destruída. Depois de focar na Alemanha e na Europa durante as décadas que se seguiram à guerra, a Schütte prosperou recentemente, quando a globalização abriu novos mercados no Leste Europeu e na Ásia.
Nos últimos cinco anos, o faturamento da empresa saltou de cerca de 58 milhões de libras para cerca de 100 milhões de libras (de cerca de R$ 188 milhões para R$ 300 milhões).
Enquanto a indústria representa cerca de 14% do produto interno bruto dos EUA, ela totaliza 18% em nível global e responde por 33% do PIB da China, segundo o Banco Mundial. Isso significa que China, Brasil, Índia e outros mercados emergentes de rápido crescimento, que escaparam às piores consequências da crise do crédito, vão sofrer cada vez mais, arrastando para baixo a demanda em economias mais avançadas, mesmo que os pacotes de estímulo dos governos funcionem.
Embora os problemas dos fornecedores do setor automobilístico e da indústria pesada (como os fabricantes de locomotivas, motores a jato e turbinas elétricas) tenham recebido mais atenção, os responsáveis por diversos outros produtos, inclusive artesanatos, vestuário e joias, também estão sofrendo.
O setor industrial indiano, que representa cerca de 16% do PIB nacional, recentemente registrou o seu primeiro declínio trimestral de produção em mais de uma década. Desde abril passado, as exportações de produtos artesanais caíram 55%, ficando em US$ 1,35 bilhão, e os produtores têxteis estimam que já dispensaram meio milhão de empregados.
Os bancos, enquanto isso, estão reestruturando empréstimos feitos a produtores e lapidadores de diamantes. E, apesar das reduções tributárias e de um pacote de estímulo de US$ 64 milhões anunciado em fevereiro, os produtores têxteis indianos pressionam por mais ajuda governamental.
"Estamos competindo com países como Bangladesh, onde os salários são mais baixos", disse Rakesh Vaid, presidente da Usha Fabs, uma tecelagem de Nova Déli. "Estamos competindo com a China, onde a moeda é bem administrada, e com o Vietnã, onde a indústria está recebendo um forte apoio do governo."



Colaboraram Heather Timmons, em Nova Déli, e Hiroko Tabuchi, em Tóquio


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