São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Moscou sai em busca de expatriados no mundo

Por CLIFFORD J. LEVY

VLADIVOSTOK, Rússia - Vasily Reutov nunca tinha posto os pés na Rússia até alguns meses atrás, mas no momento em que o fez soube que finalmente tinha chegado em casa.
Seus ancestrais, membros de um ramo ascético da Igreja Ortodoxa russa conhecido como Antigos Crentes, fugiu desta região na década de 1920 depois que o Partido Comunista reprimiu violentamente a religião. Eles se instalaram em aldeias fechadas na América do Sul, que tentaram transformar em pequenas Rússias, como se preservando os hábitos do passado pudessem de alguma forma voltar um dia. Hoje, com o apoio da própria Rússia e mais firmes que nunca, chegou a hora.
O governo está tentando evitar o grave declínio populacional do país atraindo de volta russos que vivem no exterior e seus descendentes. Reutov e dezenas de outros membros de sua comunidade religiosa no Uruguai tornaram-se alguns dos exemplos mais marcantes dessa política.
Mas a volta também indica a preocupante redução da população da Rússia. A ONU prevê que o país cairá para 116 milhões de habitantes até 2050, dos atuais 141 milhões, um declínio de 18%, principalmente por causa do baixo índice de natalidade e dos maus hábitos de saúde.
Moscou gastou US$ 300 milhões nos últimos dois anos para lançar o programa de repatriação, e as autoridades estimaram que mais de 25 milhões de pessoas poderiam se candidatar, muitas delas de origem étnica russa que viviam nas antigas repúblicas soviéticas depois do colapso da União Soviética em 1991.
Mas o governo não se limita aos vizinhos da Rússia e enviou emissários por todo o mundo para vender o programa. Um deles foi ao Brasil recentemente para conhecer residentes de vários países que, como Reutov, são Antigos Crentes, cujos seguidores têm algumas semelhanças no estilo de vida com a seita amish. Há comunidades de Antigos Crentes em todo o mundo, incluindo o Alasca e o Oregon, nos EUA.
Reutov, 36, não esteve na reunião no Brasil porque já estava na Rússia -decidiu participar do programa e mudar-se do Uruguai com sua mulher e cinco filhos. Outros de duas aldeias de lá o seguirão em breve. "Nós sempre nos sentimos parte da Rússia", disse Reutov. "Somos russos e precisamos estar aqui."
Até agora, somente 10.300 pessoas se mudaram de volta sob o programa de repatriação do governo, que foi criticado como excessivamente burocrático e ineficaz. Vladimir Pozdorovkin, oficial do Ministério das Relações Exteriores que supervisiona o programa, visitou vários países no ano passado para promovê-lo, incluindo Alemanha e Egito. Na recente reunião no Brasil, ele disse que os Antigos Crentes lhe fizeram muitas perguntas sobre a qualidade de vida e o panorama econômico da Rússia.
"Seu desejo de voltar à pátria histórica existe", disse Pozdorovkin. "Seus pais e avós sempre lhes disseram que tinham de voltar para a Rússia. Mas eles querem saber antecipadamente para que Rússia, que condições existem lá." Reutov disse que ficou contente com a ajuda que recebeu das autoridades regionais, que parecem igualmente felizes por ele estar no páis. O vasto e pouco habitado extremo leste russo teve sua população reduzida de 8 milhões, em 1991, para 6 milhões. Dezenas de milhões de chineses estão do outro lado da fronteira, mas a Rússia não quer deixá-los entrar.
O programa não está aberto para qualquer descendente de russos. Em geral, os candidatos devem falar russo e devem se sentir à vontade com a sociedade e a cultura do país. Reutov e seu cunhado, Alexei Kilin, eram ideais, portanto. O russo é sua primeira língua -Kilin disse que mal fala espanhol-, e eles se misturaram facilmente em Vladivostok. Somente suas barbas e camisas brancas feitas em casa, características dos Antigos Crentes, chamam a atenção.
Mas nem todas as comunidades de Antigos Crentes estão tão entusiasmadas. O reverendo Nikolai Yakunin, sacerdote que lidera uma delas em Nikolaevsk, no Alasca, disse que muitas vezes lhe perguntam se desejaria viver na Rússia. "Não vamos voltar", ele disse. "Eles ainda são comunistas lá, mesmo que se chamem de democratas."


Colaborou Andrea Zarate, de Lima, Peru


Texto Anterior: Ensaio - Floyd Norris: O dinheiro sumiu. Como se adaptar?
Próximo Texto: Tendências Mundiais: Narcotráfico reaviva guerrilha peruana
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.