São Paulo, segunda-feira, 30 de março de 2009

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ENSAIO

FLOYD NORRIS

O dinheiro sumiu. Como se adaptar?

Os prejuízos da implosão econômica mundial apenas começam a ser mensurados. Adaptar-se à realidade está sendo difícil. Essa dificuldade é vista no noticiário nestes dias -assim como na indignação pública maciça contra o investidor Bernard Madoff, que roubou principalmente de ricos. Grande parte da raiva vem de pessoas que não perderam um centavo com o esquema de "pirâmide" de Madoff, mas perderam nos mercados de ações e imóveis e adorariam encontrar alguém para culpar.
Todos os que perderam muito -e muito é definido diferentemente para cada pessoa- hoje enfrentam decisões semelhantes. Devem admitir que estão permanentemente mais pobres e adaptar seus gastos e seu padrão de sucesso pessoal? Ou tentar negar a realidade e esperar que, de algum modo, os bons tempos voltem? Esse problema pode ser ilustrado pelos bônus pagos aos executivos de companhias como a AIG.
Eles ainda pensam que merecem ser tratados como pessoas bem-sucedidas que dirigem uma grande empresa financeira. O fato de que teriam falido se não fossem os vários socorros do governo é visto como um detalhe. O mesmo valeu recentemente para uma proposta legislativa apresentada por diretores de museus de arte de Nova York, que proibiria museus em dificuldades financeiras de vender obras de arte para levantar dinheiro. Mesmo sem essa lei, um museu que vender obras de arte será punido com a proibição de pegar emprestado obras de outros museus.
Houve indignação no início deste ano quando a Universidade Brandeis, em Massachusetts, anunciou planos de fechar seu museu de arte e vender os quadros. A fundação da universidade foi devastada por maus investimentos. O que os opositores à venda de quadros pensam que instituições falidas devem fazer? Fechar? Pedir ajuda ao governo? A Brandeis deveria cortar departamentos acadêmicos e bolsas de estudos para manter seu museu?
A Brandeis não é a única universidade cujos fundos se contraíram. Desconfio que, quando os números definitivos chegarem, se verá que as faculdades em geral se saíram muito pior do que a Bolsa quando o mercado estava péssimo. Isso porque as faculdades seguiram o rebanho. Despejaram dinheiro nos chamados investimentos alternativos, que pareciam tão benéficos para Harvard e Yale. Outros alunos começaram a querer saber por que suas faculdades não mostravam resultados parecidos, e algumas delas decidiram colocar a maior parte do dinheiro nos arriscados fundos de hedge -mesmo sabendo que não poderiam suportar grandes prejuízos.
Aquelas faculdades, como muitos outros investidores repentinamente menos ricos, hoje enfrentam decisões. Devem mudar para investimentos menos arriscados com o dinheiro que resta, assim desistindo dos lucros que virão se o mercado se recuperar? Ou devem esperar e correr o risco de prejuízos ainda maiores?
Enquanto isso, uma série de projetos de construção de faculdades foi suspensa porque o dinheiro para pagá-las desapareceu. Essas decisões, apesar de racionais, estão pressionando ainda mais a economia, assim como a onda anterior de construção de faculdades, alimentada pelos lucros no mercado, ajudou a estimular a economia.
Governos estaduais e municipais com planos de aposentadoria enfrentam questões parecidas. Em vez de aumentar impostos ou cancelar benefícios, era mais fácil supor que os generosos retornos do mercado de ações durariam para sempre. Diante de planos de aposentadoria estaduais subfinanciados, Nova Jersey chegou a vender títulos tributáveis para levantar dinheiro e colocar nos fundos. Isso salvaria o dinheiro do Estado se os lucros dos investimentos dos fundos superassem os juros pagos sobre os títulos. Custaria muito caro se o mercado despencasse.
Agora Nova Jersey quer encontrar vilões para culpar. Recentemente o Estado processou ex-diretores do banco Lehman Brothers, dizendo que eles mentiram sobre sua posição financeira antes que desmoronasse. O governador Jon Corzine, que foi diretor do Goldman Sachs, disse: "Pretendemos responsabilizar os executivos e diretores do Lehman pela fraude e a distorção que causou mais de US$ 100 milhões em prejuízos para os fundos de pensão de Nova Jersey". Isso parece uma tentativa desesperada de evitar a realidade. Mesmo supondo que os diretores e executivos são responsáveis, é difícil entender por que Nova Jersey deveria ter precedência em relação aos demais.
Se o dinheiro for dividido entre todos os investidores, nenhum deverá receber mais que uma pequena fração de suas perdas, mesmo que todos os acusados sejam forçados a pedir falência. Como sociedade, não somos tão ricos quanto pensávamos ser. O Fed (Banco Central dos EUA) hoje estima que as famílias americanas como um todo estão mais pobres do que quatro anos atrás, mesmo sem fazer o ajuste pela inflação.
Isso não havia acontecido em nenhum período de quatro anos desde que o Fed começou a fazer essas estimativas, há mais de meio século. Não é fácil adaptar-se a essa realidade. Mas simplesmente supor que merecemos viver como se não tivesse acontecido só vai piorar as coisas.


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