São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

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A hora da verdade no Paquistão

Desafio do país é dar à nova geração alternativas ao extremismo

Alexandre Meneghini/Associated Press
População tribal desalojada devido ao conflito perto da fronteira com o Afeganistão; paquistaneses, especialmente os jovens, estão ficando frustrados com seu governo

Por SABRINA TAVERNISE

LAHORE, PaQUISTÃO
O Paquistão enfrentarÁ um "desastre demográfico" se não atender às necessidades da sua nova geração, profundamente desiludida com o governo e a democracia.
Essas previsões constam de um relatório divulgado neste mês, que traça a imagem de uma geração que se sente abandonada pelo governo e desanimada com o futuro. Uma esmagadora maioria dos jovens paquistaneses diz que seu país está no caminho errado, segundo a pesquisa da empresa Nielsen encomendada pelo Conselho Britânico. Apenas 1 em cada 10 confia no governo. A maioria se vê como muçulmana acima de tudo, e só depois como paquistanesa, e está agora entrando num mercado de trabalho em grande medida insuficiente para abrigá-la -uma situação que se tornará volátil se o governo não tratar dessas preocupações.
E o presidente do país, Asif Ali Zardari, dificilmente poderia ser mais impopular, num país onde nenhum dos governos civis já eleitos -arruinados por seus próprios vícios e minados por poderosas instituições militares e de inteligência- conseguiu sobreviver a um mandato completo.
"Este é um alerta real para a comunidade internacional", disse David Steven, pesquisador do Centro para a Cooperação Internacional da Universidade de Nova York, que foi consultor do estudo. "Poderia haver uma rápida mudança socioeconômica. Mas a outra rota levará a um pesadelo que se desenrolaria por 20 a 30 anos."
O relatório oferece um retrato perturbador de um tempo difícil para o Paquistão, um país de 62 anos, dono de armas nucleares, que enfrenta uma insurgência nas suas montanhas do oeste e luta para atender às necessidades da sua população em rápida expansão. De acordo com o estudo, a população cresceu quase 50% em um período de apenas 20 anos.
Só um quinto dos entrevistados tem empregos permanentes em tempo integral. Metade declarou não ter capacitação suficiente para entrar no mercado de trabalho. Um em cada quatro não sabe ler ou escrever, um legado do abismal sistema educacional.
Sem confiar no governo, a maioria deposita sua lealdade na religião. Três quartos se identificam primordialmente como muçulmanos; só 1 em cada 7 se declara acima de tudo como paquistanês.
A força demográfica dessa geração representa um momento decisivo para o Paquistão. Sua energia, se adequadamente dirigida, poderá alimentar uma ascensão econômica, segundo Steven. Mas, se a oportunidade for desperdiçada por causa de investimentos insuficientes em áreas como educação e saúde, o país enfrentará um desastre demográfico, segundo o relatório.
O estudo calculou que a economia paquistanesa precisaria criar 36 milhões de empregos na próxima década, um enorme desafio em uma economia que gera apenas cerca de 1 milhão de postos de trabalho por ano. Foram entrevistados em março e abri1 1.226 paquistaneses de 18 a 29 anos, de diferentes origens sociais, em todo o país. Mais de 70% disseram estar financeiramente pior do que no ano passado.
"Aqui um estudante luta noite e dia, mas o filho de um rico, dando dinheiro, recebe melhores notas", disse um jovem de Lahore na pesquisa.
Najam Sethi, editor-chefe do semanário paquistanês "The Friday Times", argumenta que expressões de ansiedade como essa estão relacionadas às frustradas esperanças da eleição de 2008, que restaurou o governo civil após quase uma década de regime militar. "Há uma sensação de impotência, frustração e raiva por todo lado, e é Zardari quem recebe isso", disse Sethi.
Só um terço dos entrevistados acha a democracia o melhor sistema, fração igual à dos que preferem a lei islâmica, naquilo que David Martin, diretor do Conselho Britânico no Paquistão, qualificou como "uma denúncia dos fracassos da democracia ao longo de muitos anos".
Embora não haja dúvida de que Zardari tenha causado muitos dos seus próprios problemas, sua situação também é parte de uma luta recorrente, notou Aasim Sajjad, professor assistente de economia política da Universidade Quaid-i-Azam, em Islamabad.
"É a história de uma força militar inchada demais e completamente acostumada a ter o monopólio total dos assuntos do Estado", disse ele. "Basta que eles sintam uma mínima ameaça para reagirem de forma muito defensiva."
Isso não significa que os militares desejem governar o país outra vez. "As lembranças do regime militar estão muito frescas", disse o parlamentar oposicionista Ahsan Iqbal. "As pessoas já viram que essa não é a solução."
Militar ou civil, o governo não conseguiu canalizar a energia da juventude do Paquistão. Mas grupos militantes conseguiram, atraindo jovens educados ou não com slogans de jihad (guerra santa islâmica) e justiça social.
Faisal Subzwari, ministro de Assuntos da Juventude da Província do Sind, disse: "Esses são fatos -eles podem ser cruéis, mas temos de admiti-los".
Steven argumentou que o futuro do país dependerá de como a energia dos jovens será canalizada. "O Paquistão pode domar essa energia, ou continuará lutando contra ela?", questionou.


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