São Paulo, segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LENTE

A ascensão dos mal-humorados

"Persiga sua felicidade." "Pense positivo." "Você não está envelhecendo, está melhorando."
Em tempos difíceis, parece que sempre há um clichê animador e jovial para cada desafio, enquanto os mais entusiásticos e otimistas entram em marcha acelerada. Mas os ranzinzas também entram em ação. "Sessenta não são os novos 40, são 60, seu idiota!", grita o comediante Lewis Black, furioso por se tornar um sexagenário.
Não que ele fosse menos rabugento aos 22. Essa é a idade em que começa o declínio, ele declara em seu filme "Stark Raving Black" (algo como "Black maluco total"). A solução dele? Não comemore aniversários depois dessa idade, porque não há nada a esperar senão sofrimento, decadência e morte.
E não espere uma atitude efervescente para inverter a decrepitude, segundo Barbara Ehrenreich. Em seu novo livro, "Bright-Sided: How the Relentless Promotion of Positive Thinking Has Undermined America" (O lado bom: como a incansável promoção do pensamento positivo minou os EUA), ela conta que, quando estava em tratamento contra o câncer, foi inundada por "fitas cor-de-rosa" e slogans como "Quando a vida lhe dá um limão, faça uma caipirinha" (em inglês "esprema um sorriso dele").
Tudo isso a deixava furiosa. A mensagem era que "você tinha de ser animada e aceitar a situação, e que não se recuperaria se não fosse", ela disse ao "New York Times". Ehrenreich e alguns "do contra" como ela se apelidaram de "Os Negativos".
Eles acreditam que o pensamento positivo que não tem raízes na realidade causou até a bolha das hipotecas "subprime" e o posterior colapso financeiro.
Micki McGee, sociólogo da Universidade Fordham, em Nova York, e membro de carteirinha dos Negativos, prestou atenção na linguagem da cultura da autoajuda. "Se você sonhar e acreditar, a coisa se realiza", disse ao "Times". "Esse tipo de pensamento contribui para a bolha econômica que acabamos de ver explodir."
Os Negativos, acrescentou, pretendem "nos despertar dessa ilusão em massa". Em um mercado de trabalho brutal, muitos jovens já acordaram. Ron Alsop, autor de "The Trophy Kids Grow Up: How the Millennial Generation is Shaking Up the Workplace" (Os garotos premiados cresceram: como a geração do milênio está sacudindo o local de trabalho), disse ao "Times" que a atual geração "sempre ouviu que pode conseguir tudo em que concentrar sua mente".
Não mais. Otimistas de todas as idades foram abalados. Alina Tugend se perguntou, no "Times", se a paixão pelo local de trabalho não foi "exagerada". "Estaremos caindo na armadilha de acreditar que nosso trabalho, e de fato nossas vidas, devem sempre ser fascinantes e consumistas?"
Especialmente quando tantos estão perdendo seus empregos nem tão perfeitos. E, se alguns desses trabalhadores demitidos conseguem se reinventar em uma carreira mais inspiradora, há um adágio mal-humorado pronto para ser sacado pelos ranzinzas: "O sucesso é a melhor vingança".
Mas um verdadeiro rabugento poderia achar até isso demais. A trupe de comédia britânica Monty Python é tão influente que é até reconhecida no Oxford English Dictionary. Mas, como disseTerry Jones, emburrado membro do Monty Python, "nós queríamos ser inquantificáveis. O fato de 'pythonesque' estar hoje no dicionário significa que falhamos".

Envie comentários para nytweekly@nytimes.com



Texto Anterior: A hora da verdade no Paquistão
Próximo Texto: TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Dívida por vencer se torna bomba-relógio nos EUA

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.