São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA - ombudsman@uol.com.br

O que faz o eleitor decidir o voto


O eleitor pode não resolver seu voto por definição genética, mas tampouco o faz pelo modo como os candidatos são tratados pela mídia


"AO LONGO da campanha eleitoral, a maioria das mensagens que recebi sobre a cobertura deste jornal a acusava de ser tendenciosa."
Assim começa a coluna do dia 19 de outubro do ombudsman do "New York Times" sobre a eleição presidencial americana de 2008.
Clark Hoyt relata que muitas das acusações denunciavam o jornal por operar agenda política consciente para ajudar um candidato e destruir o outro.
Parece que os ombudsmans estão fadados a ter o mesmo tipo de problema, não importa em que país trabalhem.
Ao contrário do Brasil, nos EUA há uma longa e bem estabelecida história de pesquisas científicas sobre a influência que os meios de comunicação exercem sobre o comportamento do eleitor.
Ela teve início da década de 1930, quando se costumava atribuir ao emprego da propaganda pelo rádio, cinema e imprensa a maior parte do sucesso de opinião pública obtido pelos nazistas na Alemanha.
Paul Lazarsfeld, cientista austríaco de inclinações socialistas e família judaica que emigrou para os EUA em 1933, onde se tornou um dos maiores sociólogos do século, foi o líder desses esforços.
Nas eleições presidenciais de 1940, 1944 e especialmente 1948, monitorou o comportamento eleitoral e de consumo de mídia dos cidadãos de uma típica cidade americana, Elmira, Nova York.
Concluiu que os meios de comunicação exerceram influência pequena ou mesmo nula sobre a decisão de voto das pessoas que constituíam seu universo de pesquisa.
Aliás, o pleito de 1948 ficou famoso porque um dos mais influentes jornais da época, o "Chicago Daily Tribune", confiou tanto nas pesquisas de intenção de voto que, em parte de sua circulação do dia seguinte, a manchete cravava vitória do republicano Thomas Dewey; o vencedor foi o democrata Harry Truman.
Nos anos 1950, Lazarsfeld iria mais longe. Com novos estudos, passou a acreditar que as escolhas eleitorais "são relativamente imunes a argumentação direta" e "caracterizam-se mais por fé do que por convicção, mais por desejo do que por cuidadosa previsão de conseqüências".
Milhares de estudos comprovaram posteriormente e até agora as descobertas de Lazarsfeld, que talvez não chegasse ao extremo de John Alford e John Hibbing, os fundadores de um provável novo campo científico, a genopolítica.
Em setembro deste ano, eles publicaram na revista "Science", uma das principais publicações acadêmicas do mundo, artigo em que mostram estudos que tentam demonstrar vínculos entre as inclinações políticas das pessoas e seus genes, entre ideologia e biologia.
Nada disso livra a mídia da responsabilidade de tentar exercer sua tarefa de noticiar os fatos políticos da maneira mais isenta e equilibrada possível. Mesmo nos EUA, onde a tradição é o veículo manifestar em editorial sua preferência a cada eleição.
Este ano, a maioria absoluta dos jornais optou por Barack Obama, considerado por quase todos os estudos já feitos sobre a cobertura eleitoral como beneficiado por um tratamento menos crítico do que o dispensado a John McCain.
Se Obama sair vencedor na terça, no entanto, sua vitória não poderá ser atribuída ao apoio explícito ou disfarçado que recebeu da mídia.
O eleitor pode não resolver seu voto por definição genética, mas tampouco o faz pelo modo como os candidatos são tratados pela mídia.


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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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