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Crônicas do sangue derramado
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Segunda - 26/11 |
Noticiar o desmazelo não imuniza contra
novas desgraças; o jornalismo, porém, é
mais útil quando se antecipa aos fatos
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PADECEM do mesmo mal
as manchetes da Folha
da segunda, "Presa sofre
abuso sexual em 5 Estados, diz
relatório", e da terça, "80%
dos estádios precisam de reformas nas estruturas": as informações, disponíveis muito
tempo antes da publicação, só
ganharam as páginas depois
que tragédias despertaram o
interesse nelas.
Desde a primeira quinzena
de março, quando foi apresentado à OEA (Organização dos
Estados Americanos), o relatório elaborado por entidades
de defesa dos direitos humanos já era público -a íntegra
está na internet. Mais que reproduzi-lo, o jornal poderia
ter palmilhado o país em busca de comprovação da selvageria que ele denuncia.
Pelo contrário, ignorou-o,
alçando-o à capa somente
após a descoberta da covardia
contra uma adolescente de 15
anos detida na mesma cela
com homens em Abaetetuba
(PA) -sim, uma tragédia.
Já o levantamento sobre as
condições de dezenas de arenas foi divulgado em 1º de novembro, em entrevista coletiva, pelo Sinaenco (Sindicato da Arquitetura e da Engenharia). Demorou 26 dias para
aparecer no jornal. Para que
os leitores o conhecessem, foi
preciso que um pedaço da arquibancada da Fonte Nova
despencasse no domingo e sete pessoas morressem.
Um mês atrás, o trabalho foi
alardeado até em Lisboa. TVs
o exibiram. A Gazeta Esportiva.Net descreveu a conclusão
sobre as instalações soteropolitanas: "As arquibancadas estão em ruínas e há total falta
de segurança e higiene para os
torcedores e até jogadores".
A Folha foi transparente
sobre o primeiro estudo: datou a entrega à OEA. Omitiu,
contudo, que o diagnóstico do
Sinaenco fora anunciado mais
de três semanas antes. Tingiu-o com verniz de ineditismo.
Noticiar o desmazelo não
imuniza contra novas desgraças. O jornalismo, porém, é
mais útil quando se antecipa
aos fatos: ao mostrar a vida como ela é, permite que se reaja
à barbárie (nas prisões) e ao
perigo (no futebol). É mais cômodo fotografar o leite -ou o
sangue- derramado, em vez
da iminência do derrame.
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