São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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IMPRENSA NA BERLINDA

A valorização das minúcias

A antropóloga Carla Teixeira é professora da UnB (Universidade de Brasília), especializou-se em antropologia da política e tem um livro, "A Honra da Política" (Relume Dumará, 1998), em que analisa os processos de cassação de mandato no Congresso Nacional por quebra do decoro parlamentar entre 1949 e 1994. A seguir, a análise que faz do papel da imprensa na cobertura da atual crise política.

"Julgo da maior importância as investigações feitas pelos jornalistas ou por eles divulgadas, mas avalio que há uma fronteira tênue entre investigação e noticiário policial, havendo por vezes uma supervalorização de minúcias factuais que, curiosas e interessantes, freqüentemente pouco acrescentam à compreensão da complexidade dos acontecimentos. Assim, por um lado, alimentam uma cultura dos "escândalos", dos "casos" e dos "episódios" que obscurecem as continuidades e rupturas entre eles; e, por outro, supervalorizam a especificidade da política brasileira, sem compará-la à de outras democracias.
A importância da investigação feita pela imprensa parece vir decrescendo desde o caso Collor e a CPI do Orçamento. Tenho a impressão, valeria checar, de que no processo que levou à punição do então senador Luiz Estevão e do juiz Nicolau, diferentemente dos processos anteriores, foi o Ministério Público quem se destacou. Já agora, a Polícia Federal tem contribuído de maneira crucial para o bom andamento das investigações no Congresso. Não quero dizer que a imprensa não se faça presente, mas que há outras instituições que, devido ao avanço do sistema democrático, podem cumprir este papel tão bem ou melhor do que ela.
Contudo, a função de mediação lhe é especialmente cara. Principalmente, se considerarmos que parece estar havendo um esvaziamento das organizações que tradicionalmente realizariam esta mediação (como sindicatos e partidos). Não sei se os jornalistas se dão conta disso, mas hoje as relações entre políticos dos diferentes Poderes e o conjunto dos cidadãos vêm se consolidando muito mais por via da imprensa e do chamado governo eletrônico. Acho fundamental refletirmos sobre as possíveis conseqüências deste processo para as relações de poder, de decisão e de participação.
Por fim, creio que a imprensa, ciente da delicadeza do momento, tem revelado maturidade e raramente vi manchetes sensacionalistas. Tenho a impressão de que a dimensão institucional que esta crise adquiriu contribui para tal atitude. Se em momentos anteriores a crise era encarada como conseqüência de falha moral dos envolvidos, hoje claramente tem sido debatida como fraqueza das estruturas democráticas no país. Não se trataria tanto de um problema de corrupção individual ou de honra, mas sim de corrupção institucional e de ética."

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