São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


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OMBUDSMAN

Duas manchetes

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RENATA LO PRETE

As duas capas reproduzidas acima mostram o que de mais grave pode acontecer dentro de uma Redação: manchete errada. Não uma qualquer, de página interna, mas A manchete do jornal. Não um erro de interpretação ou de informação secundária, mas O erro original. Ficção.
Na quinta-feira, sob o título "O Grande Negócio de Jorge" (Eduardo), o "Correio Braziliense" noticiou que a empresa DBO Direct tinha um contrato de R$ 120 milhões com o Banco do Brasil para testar um sistema de transmissão de dados, e que por trás da DBO havia uma outra empresa, a DTC, da qual o ex-secretário-geral da Presidência foi sócio até duas semanas atrás.
Desmentidos do banco e da DTC levaram a verificações que resultaram no seguinte:
a) a DTC não tem vínculo com a DBO;
b) a DBO (que na verdade se chama BDO e não fica em Curitiba, como havia dito o jornal, mas em São Paulo) não tem contrato com o BB. O serviço mencionado na reportagem está sendo feito por funcionários do banco.
Do que havia sido informado sobreviveram apenas o nome do proprietário da DTC e o fato de que Eduardo Jorge foi sócio da empresa. Mas nisso não havia notícia, que dirá manchete.
Publicada na sexta-feira, a retratação incluiu, além das notas do banco e da DTC, textos do editor-executivo, André Petry, e do autor da reportagem, Alexandre Machado.
"Quero pedir desculpas pelo erro que, sob minha responsabilidade, foi cometido", escreveu o primeiro.
O segundo disse ter ouvido a história de uma pessoa que o procurou. Reconheceu tê-la redigido sem entrevistar ninguém da DTC ou da BDO, e menosprezando informações em contrário fornecidas por um consultor de informática indicado pelo BB para falar sobre o assunto.
"Errei por ter confiado em uma única fonte, sem qualquer documento que garantisse a veracidade do que ouvi. E sem ter procurado checar por outros meios a história contada. Errei por ter me apressado a publicar o que ainda não tinha como comprovar."
O absurdo do procedimento foi reconhecido sem meias palavras pelo diretor de Redação do "Correio", Ricardo Noblat. "Só posso imaginar que houve um acesso coletivo de burrice, em que as regras mais primárias do jornalismo foram desrespeitadas", disse ele à ombudsman.
Noblat sabia que o jornal trabalhava em uma reportagem sobre Eduardo Jorge e o Banco do Brasil, mas estava fora quando o material foi concluído, na noite de quarta-feira. Ressalta que não pretende, com esse esclarecimento, eximir-se de responsabilidade.
No trecho final de documento dirigido à Redação, o diretor recomendou a todos a releitura do código de ética que o "Correio" tem desde 1998.
Embora espetacular, o erro não é a única coisa a chamar atenção neste episódio. O leitor não terá visto muitas vezes -se é que viu alguma- reconhecimento tão desprovido de rodeios quanto o da manchete de sexta-feira: "O Correio errou".
Pode-se argumentar que a absoluta fantasia da reportagem exigia providência à altura. Ou que, se recorresse a subterfúgios, o jornal poderia esperar o pior de uma eventual ação na Justiça. Ou ainda que a atitude não diminui a gravidade da falha.
Tudo verdade. Ainda assim, o grau de transparência é tão raro quanto bem-vindo. Quando não há como evitar correção de tamanha visibilidade, o mais frequente é usar o título para restabelecer os fatos, deixando em letras menores a verdadeira notícia, ou seja, o erro.
Por vários motivos, não é apropriado tripudiar sobre o desastre do "Correio". O mais óbvio é a inexistência de jornal que não tenha passado por situação semelhante.
Varia o grau de segurança da apuração em cada incidente (neste foi zero), mas manchete errada todos já publicaram (ou vão publicar) um dia.
Outra razão para lamentar o ocorrido é a trajetória recente do "Correio", um jornal que deu salto qualitativo nos últimos anos. Por vezes suas reportagens pautam diários maiores. No momento, além da Folha, é dos poucos a demonstrar empenho em apurar o caso Eduardo Jorge.
Por fim, é inevitável que o episódio venha a servir de combustível para o crescente movimento de reação a essa cobertura. Seus porta-vozes na imprensa enxergam pouca ou nenhuma anormalidade no que já se sabe a respeito das atividades de EJ.
Reclamam dos holofotes sobre os procuradores do Ministério Público, mas não parecem ter nada contra holofotes voltados para quem lhes interessa defender.
Se alguma lição pode ser extraída do revés do "Correio", trata-se da necessidade de aliar, na apuração jornalística, doses igualmente elevadas de esforço, paciência e rigor.
Sem CPI, é a única chance que a imprensa tem de cumprir o papel que tanto incomoda os caçadores de holofotes: encontrar as peças e descobrir onde elas se encaixam.



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