São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2000


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Soropositivo e discriminado

Fadadas a atrair leitura, as duas qualificações do título acima foram atribuídas ao personagem destacado na capa da Folha de domingo passado, um maranhense de 30 anos que afirma ter sido mandado embora do seminário no qual vivia por ser portador do HIV.
O bispo que o dispensou diz que a decisão não foi tomada apenas por esse motivo. Mas, desde o título da chamada ("Igreja x vírus"), ficou claro o pouco crédito dado aos argumentos de d. Fernando Legal, da diocese de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
O caso se deu no início de 97. José Maria (nome fictício) explica que decidiu divulgá-lo agora para "colocar mais lenha nas recentes discussões sobre catolicismo e Aids".
Igualmente interessada em colocar lenha, a Folha dedicou página inteira à história do ex-seminarista. O pacote incluiu trechos de seu diário e entrevistas com o bispo, a mulher que acolheu José Maria ("Costureira que deu abrigo não tem religião") e uma advogada especializada em saúde pública.
Apenas nos parágrafos finais a reportagem informou que o rapaz assume ter vivido "incontáveis aventuras amorosas" em seu período de seminarista, durante o qual "saiu com prostitutas e perambulou pelo universo gay".
José Maria: "Vejo o sexo como fonte de prazer. Enquanto frequentava o seminário, continuei transando porque não firmara o voto de castidade. Mas, depois de ordenado, tentaria respeitar o celibato".
Se algo desse depoimento tivesse obtido destaque no texto, ou ido para a chamada de capa, o leitor poderia discordar do bispo, mas tenderia a ver sentido na afirmação de que "o afastamento se deu em um contexto muito mais amplo e complexo".
No entanto, se isso tivesse sido feito, ficaria mais evidente a fragilidade da história de perseguição apresentada pelo jornal.
O jornalista Armando Antenore defende sua reportagem por apontar contradição no discurso da Igreja Católica.
"A mesma instituição que prega solidariedade em relação a doentes de Aids e infectados pelo vírus não se mostrou solidária com José Maria. Sei de outras dioceses e ordens religiosas que, diante de casos semelhantes, mantiveram os seminaristas sob sua guarda."
O repórter também destaca o fato de o rapaz ter se submetido a teste de Aids por ordem de seus superiores.
"Se admitirmos que uma diocese obrigue seus subordinados a fazer o teste, teremos de nos calar quando uma empresa exigir o mesmo de seus empregados, ou uma escola de seus alunos."
Ocorre que o enfoque não privilegiou a recusa da igreja em cuidar do rapaz ou a obrigatoriedade do teste, e sim a injustiça que haveria em impedir José Maria de se tornar padre.
Independentemente do que religiosos façam em privado, e de haver ou não veto informal a seminaristas soropositivos, a história em questão foi mal contada.


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