São Paulo, domingo, 07 de agosto de 2005

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E o presidenciável

O segundo assunto da semana foi a entrevista com o prefeito José Serra publicada em página dupla, na mesma edição de domingo passado, com os títulos "Lula se tornou menor que a crise, diz Serra" e "Governo do PT acabou sem ter começado".
Neste caso, a reação de leitores foi diferente do comportamento que tiveram em relação às fotos de Fernanda Karina. A entrevista reavivou as críticas dos que acham que o jornal está contra o governo do PT e tem simpatias pelo PSDB.
O jornal tem o direito de entrevistar quem ele quiser e acho que o prefeito de São Paulo merece uma entrevista pelo papel que representa na política nacional. O que me incomodou foi o tom do pingue-pongue. Por isso, fiz o seguinte comentário na Crítica Interna de segunda-feira:
"Acho mais do que apropriado o jornal entrevistar o prefeito José Serra a respeito da crise, afinal ele é um dos presidenciáveis e aparece bem nas pesquisas eleitorais. Mas não considero apropriado o jornal não encaminhar uma só pergunta crítica, um questionamento sequer em relação à sua gestão na prefeitura ou à administração do governo FHC, a que serviu como ministro. O caso de Eduardo Azeredo, presidente do PSDB, é apenas mencionado, sem pergunta e sem questionamento. São duas páginas apenas com o intuito de deixar José Serra analisar a crise sem qualquer contraponto, sem explorar as contradições. Também achei condescendente a entrevista com Ricardo Berzoini, secretário-geral do PT ("Berzoini culpa Delúbio e Genoino pela crise'). O jornal não explora, por exemplo, o papel de José Dirceu no esquema e nem detalha as acusações contra Lula. Nos dois casos, de Serra e Berzoini, o jornal ligou o gravador e deixou que falassem o que quisessem. Não sei se isto está de acordo com o jornalismo crítico e questionador que apregoa".
O leitor Cleiton Sotte, de São Paulo, não teve papas na língua: "Aliás, o que foi aquela entrevista chapa-branca com o José Serra?".
Na segunda-feira, o jornal fez um editorial comentando as idéias do prefeito, "A entrevista de Serra". Serra foi descrito como um "analista arguto" que "discorreu sobre a crise de um ponto de vista alto o bastante para distanciá-lo da disputa política ordinária -mas não da evidência de que está atraído pela perspectiva de disputar a Presidência". Mais: "Falou ao jornal um político que, tendo se preparado para governar o país, foi derrotado por um adversário cuja gestão, além das evidentes fragilidades políticas e administrativas, provou-se contaminada por desvios e nociva ao fortalecimento da cultura republicana".
Poucas horas depois Cesar Maia, o prefeito do Rio e também presidenciável pelo PFL, inaugurou o seu blog com um comentário sucinto: "Editorial da FSP de 1/8/05 deixa claro que a FSP já tem candidato: o prefeito José Serra". Esta é a impressão que ficou para vários leitores.
Um dos grandes problemas da cobertura jornalística da atual crise provocada pelas acusações de corrupção que envolvem o governo e os partidos políticos é que ela tem como pano de fundo a eleição presidencial de 2006. O equilíbrio editorial é difícil, mas o jornal tem a obrigação de persegui-lo se não quiser ver sua imparcialidade questionada.
Não sei se a Redação programou novas entrevistas com os outros presidenciáveis. Mas imagino que Anthony Garotinho, Cesar Maia, Heloísa Helena e Luiz Inácio Lula da Silva tenham condições de fazer análises argutas sobre a crise se tiverem o mesmo espaço concedido a José Serra e forem submetidos às mesmas perguntas.


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