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OMBUDSMAN
A morte do papa
MARCELO BERABA
O papa João Paulo 1º morreu na noite do dia 28 de
setembro de 1978, uma quinta-feira, mas sua morte só foi descoberta no início da manhã de sexta, por volta das 4h30, horário de
Roma. No Brasil, ainda era madrugada.
Naquela época, quase todos os
jornais brasileiros começavam a
ser impressos depois da meia-noite. As máquinas já rodavam
quando a notícia chegou ao Brasil, via telex. O jornalista Henrique Caban, então chefe da Redação do "Globo", se lembra de que
foi acordado pelo secretário da
madrugada, por volta das 2h,
com o pedido de autorização para parar as rotativas e trocar a
manchete.
Algo parecido aconteceu nas
principais Redações. A Folha começou a imprimir sua edição do
dia 29 com uma manchete sobre
a localização da usina nuclear:
"Angra é sujeita a terremoto".
De madrugada, trocou o título:
"O papa João Paulo 1º morreu".
No período de 26 anos que separam as mortes de João Paulo
1º da de João Paulo 2º houve
uma revolução nos jornais. Telex, máquinas de escrever, arquivos em papel, impressão depois
da meia-noite -isso tudo ficou
para trás, não há nem sequer
memória nas Redações.
Erros e acertos
Os jornais melhoraram neste
quarto de século? Não há dúvida. Têm mais recursos tecnológicos, as empresas estão mais bem
estruturadas e, no geral, oferecem um produto mais bem feito.
A morte de João Paulo 1º foi
uma grande surpresa. Ninguém
esperava um pontificado tão
curto, de apenas 33 dias. No dia
do anúncio, sexta, a Folha substituiu a manchete com notícias
das agências internacionais e limitou a cobertura à primeira
página, com uma foto.
No sábado, saiu com uma edição de cinco páginas e um editorial. Publicou, então, textos enviados por seus correspondentes
em Roma, Pedro del Picchia, e
em Nova York, Paulo Francis.
Há uma página biográfica assinada por Gerardo Mello Mourão, uma análise da UPI e um
texto de Newton Carlos sobre a
eleição do novo papa. No domingo, o jornal circulou com
quatro páginas sobre o assunto.
A edição da Folha de domingo
passado tinha 14 páginas e meia.
Em comum com as edições de
1978 havia apenas a assinatura
de Gerardo Mello Mourão.
Os jornais se beneficiam hoje
do volume quase infinito de informações disponíveis sobre
qualquer assunto e da instantaneidade da comunicação. O
agravamento da doença do papa nos últimos anos deu a todos
tempo para planejar e produzir
com calma a edição da morte.
Por isso, puderam oferecer mais
textos históricos e analíticos.
Mesmo assim, erraram.
A Folha informou, na terça-feira, que o papa não havia deixado testamento. E não publicou, na quarta, a íntegra da polêmica entrevista em que o cardeal d. Eusébio Scheid, do Rio,
diz, entre outras coisas, que Lula
não é católico, mas "caótico".
De positivo, o jornal teve despachos de Roma bem informados e bem escritos enviados por
Clóvis Rossi, teve um material de
apoio produzido por um especialista, o professor Paulo Daniel
Farah, não entrou na torcida
nacionalista e inócua pela eleição de d. Cláudio Hummes e, na
sexta, foi o único dos grandes
jornais a questionar a interpretação corrente, e aparentemente
errada, de que no testamento o
papa cogitara renunciar.
Jornal velho
Há, no entanto, um problema
grave nesta cobertura. Apesar de
a morte ter ocorrido na tarde de
sábado (16h37 no horário de
Brasília), milhares de leitores receberam seus jornais, no domingo, sem a notícia.
Os diários tinham, em 78, infinitamente menos recursos que
dispõem hoje. Mas entregavam
jornais quentes. Os avanços que
as novas tecnologias lhes proporcionaram não resultaram em
mais tempo para produzi-los, ao
contrário. Os jornais concluem
suas edições cada vez mais cedo.
Há razões logísticas e comerciais para isso. A operação de
distribuição é hoje mais complexa, e os jornais têm tiragens muito maiores e mais volumosas do
que há 26 anos.
Mas nada disso conforta os leitores da Folha que moram em
Salvador, em Recife ou em Porto
Alegre e que não encontraram
no jornal de domingo a informação que já tinham visto na TV,
lido nos sites e ouvido nas rádios.
No caso da Folha, o jornal de
domingo que é enviado por
avião para o Norte, o Nordeste e
o Rio Grande do Sul e é distribuído para parte das bancas 24 horas de São Paulo começou a ser
rodado às 14h, mesmo diante da
iminência da morte do papa.
Menos de três horas depois a
manchete "Papa sabe que está
morrendo, diz cardeal" estava
velha. No "Globo" ocorreu o
mesmo. Começou a rodar às
11h30 com a manchete "Estado
do Papa é irreversível". E o "Estado" cravou "Papa perde consciência; coração resiste".
Com o anúncio da morte, a
Folha parou a impressão, produziu um novo jornal e reimprimiu 37 mil exemplares para cobrir algumas cidades que deveriam receber a primeira edição.
Mesmo assim, foram distribuídos 13.419 jornais com a manchete desatualizada. Se comparamos com a tiragem deste domingo, de 425 mil exemplares,
isso tem um peso de apenas 3%.
Mas para os leitores que receberam o jornal envelhecido não há
consolo.
Por que os jornais precisam fechar tão cedo aos sábados? Segundo as empresas, para garantir que sejam entregues cedo no
domingo (a distribuição é mais
complicada do que durante a semana por escassez de vôos) e para colocar parte da tiragem nas
bancas na tarde de sábado,
atendendo principalmente aos
que querem consultar antes os
classificados. O fechamento prematuro da edição de domingo é
uma invenção dos EUA importada na década de 80.
O problema da desatualização
também afeta os leitores de São
Paulo. Gilberto Pelinson Ximenes reclamou do "Placar" de Esporte do domingo do papa. A seção trazia uma relação de 49 jogos de futebol realizados no sábado. Nenhum tinha o resultado, apenas um aviso: "[Jogo]
Não encerrado até o fechamento
desta edição". No tempo de João
Paulo 1º não tinha disso.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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