São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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REFLEXÃO

"Contar bem boas histórias"

O jornalista Clóvis Rossi trabalhava na revista "IstoÉ", em 1978, quando morreu o papa João Paulo 1º. Tinha 15 anos de profissão, já havia chefiado a Redação do "Estado de S.Paulo" e começava a acumular experiência em coberturas internacionais, como o golpe militar no Chile (1973) e a Revolução dos Cravos (1974), em Portugal.
Rossi está em Roma desde o dia 1º e são deles os principais relatos que a Folha vem publicando desde a morte de João Paulo 2º, no dia 2.
Pedi a ele uma reflexão sobre o que mudou no jornalismo brasileiro nesses 26 anos que separam os anúncios das duas mortes.
 
"A grande diferença entre o jornalismo que noticiou a eleição de Karol Wojtyla e o que anunciou a sua morte é o fato de que a mídia impressa perdeu a sua grande identidade: justamente a característica de ser o "anunciador" de fatos.
Perder o que estava no DNA dos jornalistas desde Gutembergue causa a desorientação que todos sentimos hoje em dia nas Redações. E, suspeito, é um dos grandes fatores na formidável hemorragia de leitores de que sofre a mídia impressa (no mundo todo, porque a desorientação é global).
O drama é simples de expor: continuamos presos à ditadura do "realizou-se ontem", quando hoje a internet e as TVs dão na véspera o que daremos muitíssimas horas depois.
No caso da morte do papa, quem se sentiria atraído pelos jornais cujos títulos tivessem sido (como, suponho, foram): "O papa morreu?". Cento e dez por cento dos leitores já sabiam do "realizou-se ontem" umas 12 horas antes de os jornais começarem a circular.
Constatado o problema, não me pergunte a solução. Eu não a tenho. Temo até que meus palpites -e faço questão de grifar palpites- sejam mais problema do que solução. Mas eu apostaria em um jornalismo que:
1 - Recuperasse a qualidade do texto. Afinal, é a única característica que diferencia jornal de TV (e, de certo modo, também da internet, que é mais afobada e, portanto, menos preciosa no texto). Temos que contar bem boas histórias, levar o leitor pela mão para o local dos fatos, com suas cores, sabores, odores.
2 - Montasse o quebra-cabeças. Antes, a nossa função era recolher as peças do quebra-cabeças e oferecê-las ao leitor. Hoje, as peças estão disponíveis em outras mídias. Resta-nos a competência de montá-las de forma que faça sentido para o leitor.
3 - Opinasse sobre a forma que tomou o quebra-cabeça."


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