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Caso de polícia
A Escola Base sepultou a idéia de que basta atribuir a informação a uma autoridade. A imprensa também tem responsabilidade
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DIFÍCIL IMAGINAR um
caso mais dramático.
No dia em que sua filha
Victória, de 1 ano e 3 meses,
morreu, em 29 de outubro,
Daniele Toledo do Prado, 21
anos, foi presa em flagrante
pela polícia de Taubaté (SP)
acusada de ter matado a criança com uma dose de cocaína
misturada na mamadeira. Victória, segundo informação da
Folha, tinha uma vasculite cerebral de causa desconhecida.
A prisão foi baseada em laudo
preliminar que detectou a
presença da droga.
Os horrores que Daniele viveu começaram três semanas
antes da morte da filha, quando foi estuprada no hospital
de Taubaté, onde buscava assistência, e se estenderam pelos dias seguintes à prisão,
quando foi espancada por 19
presas na cadeia de Pindamonhangaba. "Teve a mandíbula
quebrada, uma caneta enfiada
no ouvido direito e a cabeça
batida contra as grades", segundo a Folha.
Na última terça-feira, Daniele foi libertada. O laudo definitivo do material colhido
não encontrou vestígio de cocaína. O caso não está concluído porque até sexta-feira não
havia sido divulgado a causa
da morte. Mas a vida desta
moça está irremediavelmente
transtornada.
A imprensa
A Folha publicou na quinta-feira a carta do advogado
Mário Henrique Ditticio, que
analisou o caso e distribuiu a
responsabilidade pela tragédia que se abateu sobre Daniele entre a polícia, o Ministério Público, a Justiça, o hospital e a imprensa: "Mais uma
vez foi explosivo o resultado
da combinação entre uma sociedade apavorada que ignora
os mais básicos princípios democráticos, um sistema de
persecução penal falido e uma
imprensa preocupada sobretudo em faturar com a tragédia alheia. (...) Estado e imprensa praticamente destruíram a vida de mais uma pessoa inocente".
Os jornais trataram o caso
de maneiras diferentes. A Folha decidiu não publicar nada
sobre a acusação e a prisão. A
primeira reportagem saiu na
quarta-feira, com as notícias
de que o laudo definitivo não
encontrou cocaína e de que
Daniele tinha sido libertada. O
enfoque era o drama vivido
por ela.
"O Estado de S. Paulo" e "O
Globo" noticiaram a acusação
da polícia, identificaram a
mãe, mas sem destaque. O
"Agora", do grupo Folha,
acompanhou o caso com notas desde o dia 30 de outubro,
mas não revelou o nome da
mãe, que só foi identificada
quando ficou livre. O "Diário
de S. Paulo" foi o que deu mais
destaque, identificou a mãe e
publicou fotos suas. Há uma
gradação, portanto, entre o
comportamento da Folha e o
do "Diário".
Escola Base
Este caso tem muitas semelhanças com o da Escola Base,
de 1994. Nos dois episódios
houve acusações formais (das
mães, em 1994; de médicos,
agora), nos dois houve laudos
preliminares que emprestavam alguma credibilidade para as acusações e em ambos a
autoridade policial assumiu
publicamente a denúncia contra os acusados.
Mas a Escola Base sepultou
a idéia de que basta atribuir a
informação a uma autoridade
ou tomar cuidados como o uso
dos verbos no condicional. A
imprensa também tem responsabilidade. Não são casos
simples para os jornais porque, embora envolvam pessoas comuns, podem ter, se
comprovados os crimes, interesse social. É o caso, por
exemplo, de abuso sexual de
crianças. O problema é evitar
o sensacionalismo e garantir,
até prova final, o direito à presunção da inocência.
Há duas maneiras de fazê-lo, e ambas exigem coragem:
não publicar nada até que se
obtenha informação segura
ou editar as informações sem
identificar os acusados. O leitor Mário Henrique Ditticio
sugere que os jornais informem exaustivamente em suas
reportagens que os acusados
são inocentes até prova em
contrário. É uma idéia.
Em tese, os procedimentos
jornalísticos de checagem foram atendidos agora e no caso
da Escola Base -há acusação
formal, há "provas" (os laudos)
e há a palavra da polícia-, exceto por um detalhe fundamental: as vítimas não foram
ouvidas. No caso da Escola Base, quando o foram, suas histórias foram descartadas. Agora,
a moça só foi ouvida quando
deixou a prisão, um mês depois
da morte da filha.
Critérios iguais
A leitora Débora Lúcia Martins não ficou satisfeita com a
cobertura da Folha. Ela não
entendeu por que o jornal não
identificou a médica que levantou a suspeita da cocaína e
o médico residente acusado de
ter estuprado Daniele. "Por
que seus nomes e fotos não foram mostrados pelo jornal? Se
uma pessoa pobre é acusada
de cometer algum crime, ela
ganha foto e nome completo
em qualquer matéria ou numa
simples nota. Agora, quando
os implicados são médicos, policiais ou, no olhar do jornalista, pessoas "qualificadas", eles
são poupados do constrangimento da exposição pública".
Estou de acordo que não pode haver dois critérios. Discordo, no entanto, de que a regra
deva ser a malhação de todos
em praça pública. O caso ainda
está muito confuso, e o erro
cometido com Daniele não pode justificar novos erros.
Há uma regra que um parte
da imprensa brasileira já adotou, mas que nem sempre é
respeitada: não se confia na
polícia. Não basta a acusação
de um delegado, não basta um
laudo provisório, não basta a
formalização de uma acusação. Os arquivos dos jornais
guardam dezenas de exemplos
de irresponsabilidade da polícia e da imprensa.
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