São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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OMBUDSMAN

O espaço da crise

MARCELO BERABA

D.Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG) e colunista da Folha, criticou na quarta-feira a cobertura da imprensa no caso da crise política. Não reclamou de falta de equilíbrio ou de irresponsabilidade, as acusações mais freqüentes, mas sim do que considera um exagero: "A corrupção precisa ser combatida. Mas os jornais não podem ocupar a maior parte de seu espaço somente com isso. Há muita coisa no país que também precisa ser discutida, como saúde, reforma agrária e a situação dos idosos".
Três observações:
1 - Os números da Folha confirmam a impressão de d. Luciano. O noticiário da crise é predominante. Mas acho que não poderia ser de outra forma, tal a gravidade da situação.
O jornal praticamente dobrou o espaço no caderno Brasil destinado à cobertura política por conta das acusações de corrupção. Para ter uma idéia, o jornal destinou o correspondente a três páginas e meia (3,64 páginas, para ser exato) ao noticiário político e nacional em janeiro. Em fevereiro, publicou quase cinco (4,84). A partir de maio esse espaço foi sendo ampliado até chegar, no mês de julho, ao equivalente a quase sete páginas por dia (6,74).
Outro indicador, este do Banco de Dados: no primeiro semestre deste ano, o assunto mais contemplado pelo jornal foi o governo Lula (média de 742 textos por mês), seguido de perto pelo futebol (725 por mês). Agora em julho, com a ampliação da crise, o governo Lula, incluído o "mensalão", teve 1.397 textos; o futebol continuou em segundo, mas distante, com 740.
O ranking de personagens preferidos do jornal também mudou muito em julho. Ao longo do primeiro semestre, a relação dos dez nomes mais citados incluía os principais personagens da crise, mas ainda havia espaço para George W. Bush, João Paulo 2º e Bento 16. Agora, em julho, os dez primeiros são todos da política ou das CPIs. Pela ordem: Marcos Valério, Lula, Delúbio Soares, José Dirceu, Roberto Jefferson, José Serra, Geraldo Alckmin, Silvio Pereira, José Genoino e Renilda Fernandes.
2 - Alguns assuntos não têm espaço nos jornais com ou sem crise. É importante que d. Luciano chame a atenção para temas que considera mal tratados, mas eles, em geral, são sempre mal tratados. Em relação à Folha, dos três temas citados, um deles, a saúde, tem tido uma atenção especial do jornal e foi o sexto assunto mais bem coberto no primeiro semestre. Os outros, reforma agrária e idosos, realmente são ignorados.
A cobertura do campo está centrada nas invasões de terra. Idosos? O Banco de Dados localizou quatro textos em julho: três notinhas nos cadernos Equilíbrio e Cotidiano e uma reportagem sobre consumo, em Dinheiro. Imagino que d. Luciano não se referia a esse tipo de cobertura.
3 - O problema maior que vejo na cobertura da crise não é o "exagero" do espaço, mas a forma como ele é utilizado. Em resumo, há muita notícia menor ocupando muito espaço, falta avaliação da importância dos fatos revelados e há poucas análises e bastidores que ajudem a entender o que está acontecendo.

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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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