São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ombudsman@uol.com.br

Sobre pequenos assassinados


Os assassinatos de Isabella e de Igor e João são humanamente do mesmo tamanho. Mas mídia e público os tratam de modo diferente

O CASO de Isabella Nardoni, morta em março supostamente por seu pai e sua madrasta, mereceu um mês de cobertura intensiva, às vezes histericamente compulsiva, dos veículos de comunicação de massa.
Cerca de cem leitores se dirigiram ao ombudsman para comentar a tragédia e opinar sobre como o jornal e seus concorrentes a tratavam. O pai da menina é consultor jurídico, a madrasta estudante de direito. O crime ocorreu num bairro de classe média de São Paulo.
Na semana passada, houve outro assassinato horrendo de crianças, Igor e João, seguido de esquartejamento, em que os suspeitos são igualmente o pai e a madrasta dos mortos. O pai dos garotos é vigia, a madrasta, doméstica. O drama se desenrolou em cidade da periferia de São Paulo. Quatro mensagens chegaram ao jornal sobre ele.
Caio N. de Toledo, leitor atento e crítico deste jornal, com ironia fina e inteligente, ligou as duas notícias e antecipou que o procedimento jornalístico seria muito desigual para Igor e João: "Cabe saber agora por quantas semanas os noticiários dos jornais e da TV se ocuparão com o caso".
Toledo tinha razão. De Igor e João a mídia quase não se ocupou, ao contrário de Isabella. Mas também não se registrou nada que nem de longe lembrasse a comoção pública que a queda de Isabella provocou.
É a mídia que determina o grau de curiosidade da audiência por determinados assuntos e não outros ou é o interesse dela que coloca em ordem a prioridade dos meios de comunicação? A pergunta é tão difícil de responder quanto a que tenta descobrir quem vem primeiro: o ovo ou a galinha.
Jornalismo não é ciência, mas tem suas leis. Uma é que o grau de importância do fato está diretamente relacionado com algumas características, entre elas a proximidade: quanto mais perto, mais interesse. Um terremoto em São Paulo é mais importante que outro das mesmas proporções na Índia.
Empatia entre leitor e personagem da notícia é outro determinante de relevância: quanto mais identificação entre ambos, mais notável ela é; há mais interesse pelos parecidos do que pelos diferentes.
Igor e João tinham tanto direito à vida quanto Isabella. Seus "pequenos assassinatos" são humanamente do mesmo tamanho. Mas mídia e público os tratam de modo diferente.
Mesmo assim, é possível fazer bom jornalismo. A Folha o fez só um pouco, ao levantar aspectos sobre o que é o Conselho Tutelar, que mandou os meninos de volta aos seus algozes. Poderia ter feito muito mais: promover com muito maior intensidade o debate sobre essa instituição pública.
Como poderia ter explorado os aspectos psicológicos do crime. Ou escalado repórter de texto primoroso para atrair a atenção do leitor, não pela proximidade do fato nem pela empatia com os personagens, mas pela enorme compaixão que a notícia pode despertar. Infelizmente, ficou aquém do que podia e devia.


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Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 22 de abril de 2008. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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