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A imprensa e a CPI
Iniciei, no domingo passado,
um balanço do comportamento
da imprensa na cobertura da CPI
dos Correios e destes dez meses
de crise política. Ela cumpriu o
papel que dela se espera numa
democracia? Encaminhei a mesma questão para vários observadores da mídia e para jornalistas
envolvidos na cobertura. Publiquei na semana passada as análises de três cientistas políticos.
Edito hoje a avaliação de um jornalista professor de ética e de
dois editores de jornais.
"O jornalismo, em qualquer
meio, continua assentado sobre
seu pilar principal, de levar ao
público aquilo que pode afetá-lo
em sua vida diária, para que possa conhecer, escolher, intervir. O
jornalismo continua como uma
forma de conhecer rapidamente
os fatos e as versões, os dados e as
interpretações, porque o calendário é diário. Acontecimentos e
decisões no campo do poder político e econômico, refletem-se
imediatamente na vida dos cidadãos. Quando o jornalismo deixa de fazer isso,fica menos jornalismo ou pior jornalismo.
No caso do chamado "mensalão", a cobertura cumpriu o papel
de relatar e investigar o Poder
Público e suas ramificações que
comprometem a finalidade da
República e tornam os cidadãos
menos cidadãos. Isso deve ser
feito em qualquer circunstância,
durante qualquer governo.
Mas, cumpriu adequadamente
o papel? Teríamos de ver caso a
caso. No conjunto, pareceu-me
satisfatória a cobertura, mas
houve excessos. O princípio da
checagem, da diversidade de
fontes, da apuração bem feita,
deu lugar, algumas vezes, ao jornalismo embalado pelo interesse
político, econômico ou ideológico. Faltou jornalismo.
É importante que a imprensa
não repita os erros que ocorreram nos casos Alceni Guerra e
Ibsen Pinheiro. Os prejuízos aos
acusados são grandes e a sociedade é levada a julgamentos
equivocados sobre pessoas e situações, e às vezes passam cinco
ou dez anos para a revisão do erro, uma autocrítica sem a mesma
repercussão da acusação inicial.
Como aspecto positivo, fica a
intensificação do jornalismo investigativo insistente, que busca
a apuração, o confronto entre
versões, os dados documentais,
que não se contenta com o declaratório. A maioria dos veículos
seguiu esse caminho. Como aspecto negativo, houve, em alguns casos, a ultrapassagem dos
limites jornalísticos ao acusar
sem provas, assim como o tratamento de suspeitos como culpados e a invenção de declarações e
fatos."
"Esta foi a primeira grande CPI
em tempo real do Congresso. Isso trouxe mais agilidade à cobertura, em relação ao ritmo de investigações passadas, mas também propôs o desafio, nem sempre superado no dia-a-dia dos
jornais, de ir além do noticiário
dos blogs e das TVs da véspera.
No "Valor", cuja política editorial
é pautada pela busca desse aprofundamento, esta cobrança se
sobressai. Os limites de sua cobertura refletem, em grande parte, os da própria investigação
que a imprensa, em geral, não foi
capaz de romper, como no mapeamento incompleto dos recursos privados da corrupção estatal. Nos dias em que a CPI e a
Procuradoria Geral da República
revelaram suas conclusões, dando por encerrada a primeira etapa da investigação, as pesquisas
de opinião mostravam que a
maior parte da população tomara conhecimento do escândalo,
mas já estava saturada da cobertura. A circulação dos jornais
cresceu em 2005, quando as comissões atingiram o ápice da exposição pública. Isso mostra que
a crise despertou a atenção do
leitor. Se esse interesse se esvaiu
é também porque a imprensa
tem dívidas a saldar. A principal
talvez seja a de mostrar como esses longos e exaustivos meses de
investigação vão melhorar a vida
dos brasileiros."
"A maior crítica ao trabalho da
imprensa será sempre sobre o
que não fizemos antes do início
da CPI dos Correios, durante os
dois primeiros anos do governo
Lula. Fomos pegos de surpresa
pelas denúncias que deram origem à crise do mensalão. Nem o
caso Waldomiro fora capaz de
nos colocar em alerta para a gravidade do que estava em gestação. Demoramos a encontrar
um caminho próprio no emaranhado de informações e interesses políticos em jogo. Não comprometemos nossa independência nem qualquer outro de nossos princípios, mas vivemos inicialmente a reboque da guerra
fratricida que tomou conta do
governo, um dos traços distintivos desta crise. Passada essa fase,
voltamos a fazer o que a democracia nos cobra: investigar, revelar e debater em profundidade
os fatos e as versões apresentadas.
No que diz respeito ao "Globo",
vale destacar quatro momentos
da cobertura, tanto por sua influência no rumo das investigações quanto pelos valores éticos
em questão. Em julho, noticiamos com exclusividade que o
PSDB de Minas se valera do mesmo método (o caixa dois) e do
mesmo operador (Marcos Valério) na campanha de 1998. Outro
caso foi a revelação de que a Telemar investira R$ 5 milhões para a criação de uma empresa de
um dos filhos de Lula. Diferentemente de outros veículos, só noticiamos a lista de Furnas quando passou a ser usada politicamente na CPI. E na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, "O Globo" foi o primeiro a alertar para a ilegalidade
da medida. Palocci caiu e a crise
moral do governo Lula tem hoje
o tamanho deste último crime."
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