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OMBUDSMAN
A convite
MARCELO BERABA
A capa do caderno Turismo da Folha da última quinta-feira tinha como principal assunto a cidade de Rio das Ostras,
no litoral fluminense. O texto de
abertura da reportagem assim
justificava a escolha: "Renda obtida com a exploração na bacia
de Campos é investida na infra-estrutura da orla marítima do
município na região dos Lagos".
A Folha informou na reportagem que viajou para Rio das Ostras a convite da Abih-RJ (Associação Brasileira da Indústria de
Hotéis no Rio de Janeiro) e da
Secretaria de Turismo, Indústria
e Comércio de Rio das Ostras.
Na mesma edição, circulou um
encarte publicitário com anúncios da Petrobras e de duas cidades da mesma região, Cabo Frio
e Rio Bonito: "Bacia de Desenvolvimento - Petróleo impulsiona o crescimento dos municípios
da bacia de Campos".
Algumas ponderações.
1 - Os cadernos de turismo dos
jornais brasileiros vivem de convites. São os convites que acabam determinando os destinos
turísticos sugeridos. É comum os
jornais apresentarem aos seus
leitores, numa mesma semana
ou em datas próximas, reportagens parecidas. Foi o que aconteceu neste mês, por exemplo, com
a Folha e o "Estado", que saíram
com reportagens sobre a ilha de
Páscoa. Não houve coincidência
de pauta. Apenas os dois diários
receberam os mesmos convites
de um grupo turístico, um hotel e
uma companhia aérea.
Isso nunca foi bom para os leitores nem para os jornais e só interessa à indústria do turismo
que, dessa forma, acaba influenciando as pautas dos jornais.
A discussão não é nova: as empresas jornalísticas têm consciência de que a política que
adotam para esses cadernos não
é a mesma aplicada a outras editorias, mas acabam submetidas
a ela por questão de economia.
Silvio Cioffi, editor de Turismo, lembra que todas as reportagens feitas a convite de empresas
trazem, no final do texto, a informação sobre quem pagou a viagem. E acrescenta: "Mesmo fazendo viagens a convite, sempre
trazemos uma lista ampla e variada dos serviços de transporte e
hospedagem disponíveis".
O leitor perde, obviamente,
porque, por mais isento e transparente que o jornal seja ao admitir que viajou a convite, sempre fica a certeza de que aquele
ponto turístico está sendo recomendado por oportunismo, e
não por critérios editoriais.
Os cadernos de turismo ganharão credibilidade quando tiverem orçamentos próprios que
lhes permitam libertar-se da dependência que os atrela, hoje,
aos interesses da indústria turística. O jornalismo brasileiro ainda precisa dar esse passo.
2 - Nada justifica que os jornais
não enviem seus jornalistas com
recursos próprios para locais
próximos e relativamente baratos. Se Rio das Ostras vale uma
reportagem indicativa para os
leitores da Folha a ponto de merecer uma capa do jornal, por
que não enviar um repórter da
Sucursal do Rio, que fica a 170
km, e o próprio jornal pode pagar a viagem? Teria, evidentemente, mais independência para
tratar do assunto e fazer críticas.
A propósito de Rio das Ostras,
recebi a seguinte mensagem do
leitor Carlos Tautz, do Rio: "A
reportagem me deixou irritado
porque teceu loas e loas sobre
Rio das Ostras, um município
cujo IDH é pífio, mesmo comparado com o de outras cidades do
Rio. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é o 34º no
Estado do Rio e o 1.188º no Brasil, dado do Pnud em 2000. Ficou
parecendo matéria encomendada. Fui lá, pela primeira vez, em
janeiro de 2004, como turista e,
inicialmente, tive a mesmíssima
impressão que a Folha descreve:
uma maravilha de lugar, que
aproveita bem os royalties da
Petrobras. Mas depois percebi
que há uma Rio das Ostras da
orla, coisa de Primeiro Mundo, e
outra, que fica com os impactos
negativos da especulação imobiliária provocada pela expansão
da indústria do petróleo no norte
fluminense. Esta segunda é a Rio
das Ostras de moradores tradicionais favelizados pela disparada dos preços da terra. Essa Rio
das Ostras fica do lado pobre da
BR-101, que corta a cidade ao
meio. Faço a crítica porque me
senti enganado à época e tive o
mesmo sentimento hoje de manhã, quando li a Folha".
3 - A publicação, no mesmo
dia, do caderno com o informe
publicitário suscita no leitor natural desconfiança. Reproduzo a
explicação que recebi da secretária de Redação, Suzana Singer:
"Foi coincidência a Folha ter publicado na mesma edição o caderno Turismo com capa sobre
Rio das Ostras e o informe publicitário da Petrobras sobre a região. Como existe completa separação entre as áreas editorial e
comercial, nem a Redação sabia
da existência do informe nem o
comercial sabia qual seria o tema do caderno".
Não tenho por que duvidar da
explicação, mas a coincidência é
ruim para o jornal de qualquer
forma. Ainda mais associada a
uma área que vive de favores, como é a cobertura de turismo.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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