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OMBUDSMAN
A volta de Maomé
MARCELO BERABA
A Folha voltou a usar
Maomé para se referir ao
fundador do islamismo. Durante cinco anos ela adotou a
grafia Muhammad por entender que Maomé era uma palavra ofensiva para os muçulmanos "por significar o que não é
filho de Deus" (página 80 do
"Manual da Redação"). Uma
besteira.
Por pressão dos leitores inconformados com a interdição
de Maomé, o jornal consultou
cinco especialistas em língua
árabe e em islamismo e chegou
à conclusão de que o verbete
"Maomé/ Muhammad" está
errado. O termo Muhammad
está correto. Muitos islamitas o
preferem porque é o nome original em árabe. Mas não é verdade que Maomé significa, em
árabe, "aquele que não é filho
de Deus".
Durante todos esses anos fomos induzidos a erro -os repórteres e os redatores, este
ombudsman e o anterior, e os
leitores do jornal.
A Folha não conseguiu explicar como o verbete desastrado
foi parar no "Manual". Questionada, enviou-me a seguinte
resposta: "À época da edição
do atual "Manual da Redação",
a Folha recebeu de especialistas em religião a informação
errada que consta do verbete".
O "Manual da Redação" trata do assunto em dois outros
capítulos. No anexo "Religiões", na página 184, no verbete "Islamismo", assim se refere ao profeta Muhammad
(570-632): "O termo Maomé
não deve ser usado, pois é uma
transliteração malfeita do nome
árabe". Uma transliteração malfeita não significa que o termo
transliterado seja uma ofensa.
Em outro anexo, este sobre
transliterações (página 329), há
a seguinte orientação sobre os
critérios para a escrita em português de palavras árabes: "Não
elimine as consoantes duplas,
que podem explicar assimilações
e dissimilações importantes para
quem conhece o árabe: Assafir,
Annahar, Muhammad. (...) Árabes que vivem no Brasil ou em
outros países ocidentais têm
uma forma latinizada de escrever seus nomes. Ela deve ser
mantida mesmo que vá de encontro às observações acima". É
o caso de Maomé, agora que foi
absolvido de um crime que não
cometera.
Os leitores
A revisão foi feita por insistência de vários leitores insatisfeitos
com a explicação que eu assumi
quando escrevi sobre as charges
dinamarquesas que geraram
protestos violentos em vários
países muçulmanos ("O clamor
por tolerância", coluna publicada em 12 de fevereiro). Naquela
ocasião, fiz um pequeno texto
em que explicava, com base no
"Manual", por que o jornal usava Muhammad e não Maomé. A
explicação não convenceu muitos leitores.
O questionamento principal tinha como base a tradição. Por
que deveríamos adotar uma grafia nova se tínhamos uma consagrada, Maomé? "Por acaso deve-se chamar Moshé em vez de Moisés?", argumentou Francisco
Moreno, de São Paulo. "O profeta Isaías deve ser chamado de
Yeshayahu? E o Jesus dos cristãos, deve ser agora chamado de
Yeshu (seu nome hebraico)?"
Aluísio J. D. Barros, de Pelotas
(RS), foi mais direto: "Por que
diabos a Folha resolveu chamar
Maomé de Muhammad?". Antônio Marcos de Guide achou que
era ignorância do jornal: "Ficou
feio (...) essa demonstração de
desconhecimento básico da história mundial". E José Arlindo
Salgado de Souza achou que o
jornal se rendia à hegemonia do
inglês: "Eu não sei o que está
acontecendo nas redações dos
jornais, inclusive a Folha. Parece
que os jornalistas e os "copydesks"
-ou copidesques, como preferia
o mestre Aurélio- não conhecem mais a língua pátria".
O mais insistente de todos foi o
advogado Alfredo Spínola, de
São Paulo. A todos que questionaram o uso de Muhammad respondi da mesma forma, citando
o "Manual da Redação".
Spínola não se conformou e
manteve seus questionamentos.
A uma nova resposta minha defendendo o uso de Muhammad
tal como estava no "Manual",
respondeu: "Se é assim, gostaria
de pedir-lhe a gentileza de apresentar uma só abonação para a
grafia Muhammad. Poderei,
dessa forma, passar a utilizá-la".
A correção
Franco Querini foi quem apontou os erros: "A página 80 do
"Manual da Redação" precisa ser
corrigida pois Muhammad, fundador do Islã, não é filho de Deus
bem como Maomé não significa
o contrário".
Pedi à Redação uma verificação. A Editoria de Treinamento
e Qualidade consultou cinco fontes, que deram razão ao leitor.
A correção foi assumida pelo
jornal num comunicado interno
da Secretaria de Redação com
data de 10 de março: "A Folha
volta a usar Maomé para designar o fundador do islamismo. O
verbete do "Manual da Redação"
está errado ao afirmar que Maomé é ofensivo para os seguidores
do islamismo por significar "o
que não é filho de Deus". A tradução mais aproximada de
Maomé ou Muhammad é "aquele que é merecedor de elogios'".
O jornal deveria ter tomado a
iniciativa de publicar a correção
em suas páginas. O uso de Muhammad ficou muito em evidência com a polêmica das charges.
Ao não fazê-lo, fica no meio do
caminho -reconhece o erro,
mas não publicamente- e deixa o leitor confuso e desconfiado.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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