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Estorvo da pauta, maldição dos antolhos
É preciso estar de olhos e ouvidos atentos à novidade; a melhor reportagem não é a que satisfaz a pauta, mas a que vai além dela
O REPÓRTER Kleber Tomaz e o fotógrafo Antônio Gaudério saíram
cedo para a entrevista que o
Departamento de Investigação sobre o Crime Organizado
marcara para a tarde da terça.
Chegaram antes da hora.
A Polícia Civil de São Paulo
anunciaria o balanço de uma
operação. Enquanto esperavam em um auditório, os jornalistas da Folha ouviram gritos do outro lado de uma divisória de madeira, onde se instala uma delegacia.
Tomaz correu com o gravador. Ouviu uma voz que seria
de policial: "Aqui não. Aqui
você vai falar que não apanhou". Sobreveio um som de
tapa. Um homem que parecia
estar preso berrou: "Ai, ai".
O suposto policial: "Aqui
não. Aê, seu bosta. Você vai falar que não apanhou. [...] Na
época da ditadura, os caras batiam [som de risadas]". E ironizou quem apanhava em
tempos não tão velhos assim:
"E os bandidos: "Não senhor,
pelo amor de Deus'".
O assunto da coletiva foi para o pé de uma bela reportagem que, infelizmente, não
mereceu nem alto de página.
A foto, "roubada" por uma
fresta, não rendeu boa imagem. A polícia defendeu-se: foi
"brincadeira" dos policiais.
Com o "furo", contudo, a Secretaria da Segurança Pública
ordenou apuração sobre os
eventuais atos de tortura.
Os repórteres fizeram a coisa certa: tinham uma pauta,
mas mudaram de rumo quando outra notícia se sobressaiu.
Não é sempre assim: um estorvo do jornalismo é a submissão burocrática à pauta
original como um fanático ao
seu livro-guia. É preciso estar
de olhos -e ouvidos- atentos
à novidade, rejeitando os antolhos que limitam a visão.
Conforme o "Manual da Redação" da Folha, "pauta" é "o
primeiro roteiro para a produção de textos jornalísticos e
material iconográfico". A melhor reportagem não é a que
satisfaz a pauta, mas a que vai
além dela e surpreende.
No auditório havia um terceiro repórter, de outro veículo, cuja identidade a Folha
omitiu. Ele escutou os gritos,
mas só noticiou o que era oficial. Ficou com a pauta de origem, calou sobre a violência.
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