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OMBUDSMAN
Marcelo Beraba @ - ombudsman@uol.com.br
A guerra em São Paulo
Cobertura da Folha sobre os ataques do
PCC teve vários pontos positivos, mas não deu
a atenção necessária à tragédia dos policiais assassinados
RECEBI, ENTRE segunda
e sexta-feira, 153 mensagens de leitores a respeito da cobertura do que a Folha convencionou chamar de
"guerra urbana" -os ataques
do PCC (Primeiro Comando
da Capital), iniciados na noite
de sexta, dia 12, que aterrorizaram São Paulo. Um recorde
de mensagens sobre um mesmo tema nestes dois anos de
mandato.
Para mim, o ponto mais
sensível da cobertura da Folha foi o tratamento dado à
polícia. Depois de anos e anos
de críticas (justas, na minha
opinião) à ineficiência e à corrupção, a impressão que tenho é que perdemos qualquer
empatia em relação aos policiais, a ponto de não percebermos o tamanho da tragédia
que estava diante de nós: 41
servidores públicos (policiais
militares e civis, guardas municipais, agentes penitenciários e bombeiros) caçados e
assassinados covardemente,
principalmente nos três primeiros dias.
Até quarta-feira, quando já
se computavam 40 mortes de
agentes de segurança, menos
da metade tinha merecido registro na Folha. Na terça, as
vítimas do PCC já tinham sumido das páginas, ocupadas
agora pelo medo que tomou
conta de São Paulo e pela reação da polícia.
E, na quarta-feira, a grande
surpresa: ali estavam, na página A5, os nomes de todos os
policiais mortos, mas não em
reportagem ou infográfico do
jornal. Era um anúncio de um
banco com uma homenagem
aos policiais. O jornalismo
vencido pela publicidade. Por
que os jornais não publicaram
a lista antes? Por que não lhes
ocorreu que, independentemente de reconhecerem ou
não os méritos dos que morreram, a relação era um documento histórico?
Em qualquer outra situação
em que a imprensa tivesse
diante de si 40 assassinatos
em poucas horas, ela estaria
completamente mobilizada
-eu diria alucinada- para
contar a vida daquelas pessoas e as circunstâncias de
suas mortes. É assim que
acontece nas grandes tragédias coletivas, quando os jornalistas alcançam o seu público pela humanização dos números.
Os leitores sentiram o tratamento frio e burocrático. A
maior parte dos e-mails que
recebi foi de pessoas que consideraram que o jornal estava
tratando mal a polícia. Essa
percepção aumentou consideravelmente quando, a partir de quarta-feira, o jornal
passou a questionar, e com razão, a reação violenta da polícia.
Como o jornal não deu a
atenção que deveria ter dado
às vítimas policiais, o espaço
que passou a dedicar aos
questionamentos e aos casos
de suspeitos de pertencerem
ao PCC mortos pela polícia levaram a indagações desta natureza: "É lamentável que o
maior jornal do país, num momento de crise de segurança,
incite a população contra os
policiais".
É claro que não houve incitamento, mas o descompasso
no tratamento dado aos dois
momentos -o dos policiais
morrendo e o dos policiais
matando- criou no leitor a
idéia de que o jornal estava
mais preocupado com os bandidos mortos do que com os
policiais mortos.
O auge da reação contra o
jornal ocorreu na sexta-feira,
por conta da foto da Primeira
Página que mostra um soldado apontando uma arma e
diante dele um homem com
uma criança no colo. A primeira impressão é a de que o
policial aponta a arma para a
criança, o que permite a leitura de que ameaçava os moradores. A legenda informa, porém, que o policial dava cobertura para outros policiais que
entravam numa favela. "Qual
é a intenção, colocar a população contra a polícia?" perguntou um leitor. "É correto fazer
isso justamente no momento
pelo qual estamos passando?",
indagou outro.
O momento pelo qual estamos passando é crítico e acho
que a imprensa de São Paulo
nunca teve um desafio deste
tamanho. A cobertura da Folha teve, na minha avaliação,
vários pontos positivos: foi rápida (o que nem sempre acontece quando os fatos explodem
sexta-feira à noite e nos finais
de semana), criou um padrão
gráfico de edição de qualidade,
jogou uma boa parte dos seus
repórteres nas ruas em busca
de histórias, fez uma ótima cobertura fotográfica (principalmente na segunda-feira do pânico), esteve bem informada
sobre negociações do governo
com o PCC, fez uma entrevista
com o governador Cláudio
Lembo que continua a repercutir e abriu espaço aos especialistas, com entrevistas e
análises.
Não teve sensibilidade, no
entanto, para tratar do drama
policial e não havia produzido,
até sexta-feira, uma avaliação
crítica do que foram os oito
anos de política de segurança
dos governos do PSDB que,
conforme já diagnosticou em
editorial, "fracassaram na tarefa de debelar o PCC".
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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