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OMBUDSMAN
E se for mentira?
MARCELO BERABA
Folha, "Estado de S.Paulo" e
"O Globo", os três jornais que
disputam mercado e influência
nacional, deram o mesmo destaque, na edição de quarta-feira, às
acusações de um doleiro preso e
condenado a 25 anos de prisão
por evasão de divisas. As manchetes eram parecidas: "Doleiro
diz que trabalhou para petistas"
(Folha), "Doleiro diz ter provas
de que PT mandou dinheiro ao
exterior" ("Estado") e "Doleiro
preso diz à CPI que atendia a dirigentes do PT" ("O Globo").
As acusações, que já no dia seguinte estavam perdidas no meio
da avalanche de novas confissões
e delações, atingiam o PT, um
ministro de Estado, o presidente
do Banco Central e personagens
que já vinham arrolados na crise.
O preso não apresentou provas,
mas garantiu que as revelaria em
troca de uma revisão de pena.
O episódio tem um detalhe importante. O doleiro foi ouvido por
parlamentares da CPI dos Correios e por procuradores federais.
A imprensa tomou conhecimento
das acusações por intermédio dos
deputados e senadores.
Alguns leitores escreveram com
questionamentos que endosso.
Os jornais não foram precipitados e, portanto, levianos, ao aceitarem as acusações sem provas
de um condenado? Nesse caso,
em que o preso foi investigado,
indiciado, julgado e condenado,
era possível o Ministério Público
e a CPI avaliarem nos autos, antes de divulgar as acusações, se o
doleiro tinha condições realmente de apresentar as provas que
promete.
Os jornais
Imagino que as direções das Redações devam ter discutido se deveriam publicar as acusações
sem provas e se deveriam dá-las
como manchetes. Encaminhei o
questionamento para as direções
dos três jornais e obtive respostas
da Folha e de "O Globo".
Vaguinaldo Marinheiro, secretário de Redação de Edição interino, explicou que "foi muito difícil" a discussão interna na Folha.
"A questão era esta: por que dar
na manchete do jornal declarações de um criminoso que negocia com a CPI vantagens para revelar o que supostamente sabe?
Os argumentos pró-manchete foram os seguintes: 1. Os membros
da CPI, ao viajarem a São Paulo
para ouvir Toninho da Barcelona, deram credibilidade ao acusador; 2. O depoimento, pelo aparato policial envolvido e pela
atenção que despertou, foi o
evento mais relevante do dia; 3.
Os dados ainda obscuros do envolvimento do doleiro com petistas desde a CPI do Banestado fazem com que seus pronunciamentos sejam notícia; 4. Personagens da crise, como Duda Mendonça e Marcos Valério, relataram o uso de contas no exterior.
As movimentações dessas contas
tiveram a participação de doleiros. Toninho da Barcelona era
considerado o maior doleiro do
país, logo deve ter algo a informar sobre o caso".
Rodolfo Fernandes, diretor de
Redação de "O Globo", acrescenta outro argumento: "É incômodo um processo em que doleiros e
prostitutas viram personagens,
acho que isso não é bom para o
país, para a política e para a imprensa. Mas, quando 16 parlamentares, inclusive do próprio
PT, voam de Brasília para ouvir
um doleiro, em operação de
enormes dimensões, e saem de lá
dizendo que os fatos revelados
por ele são consistentes, isso torna inevitável que a imprensa o
divulgue. Acho que o caso do doleiro pode ter sido um excesso da
CPI -mas, diante do retrospecto
dos últimos três meses, será que
daqui a alguns dias poderemos
ainda ter essa impressão?".
As responsabilidades
O que leva os jornais a agir assim mesmo diante das dúvidas
que admitem ter tido? Acho que
são dois fatores principais. Um,
histórico: o medo de ser "furado"
pelos concorrentes, ou seja, de
deixar de publicar uma informação que sabe que os outros têm. O
outro, circunstancial. Houve,
nesta cobertura, uma inversão
no questionamento que deve presidir as decisões jornalísticas. A
pergunta "e se tudo for mentira?"
foi substituída por outra: "e se tudo for verdade?".
Este último ponto é importantíssimo para entender o comportamento da imprensa no escândalo do "mensalão". O que vem
norteando a cobertura e, de uma
certa forma, o próprio entendimento da população é a idéia de
que, neste caso, tudo é possível.
Várias acusações sem provas
foram confirmadas, as negativas
e os desmentidos veementes foram desmascarados, e versões e
versões vêm sendo refeitas diariamente. Isso faz com que qualquer nova acusação, por mais estranha que pareça, tenha crédito.
Isso não livra os jornais de responsabilidade. No caso da manchete de quarta-feira, os próprios
diários perceberam que se excederam, mas nenhum foi capaz
de admiti-lo francamente. Preferiram transferir o ônus para os
parlamentares que divulgaram
as acusações. Várias notas foram
publicadas nos dias seguintes
com esse teor.
O editorial "Norma", publicado pelo "Globo" na quinta-feira,
revela a postura dos jornais de
eximir-se de culpa: "As comissões parlamentares de inquérito
devem investigar e buscar a melhor informação possível seja onde for. Mesmo junto a doleiros.
Mas há cuidados óbvios a tomar
com certos tipos de depoimentos.
Há provas testemunhais de que
nada valem diante da qualificação do depoente. Nesse caso, o
julgamento de reputações só pode ser feito mediante a apresentação de provas documentais, e
muito bem checadas".
Poderíamos dizer que a norma
deveria valer para a imprensa. O
fato de as acusações terem sido
transmitidas por parlamentares
não altera a responsabilidade
dos jornais.
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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