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OMBUDSMAN
Duas greves
MARCELO BERABA
Os professores e funcionários da rede municipal
de São Paulo realizaram, entre
os dias 28 de março e 12 de abril,
a maior greve desde 1987. Recebi
várias mensagens de leitores
com queixas. A maioria reclamou do pouco espaço dado pelo
jornal ao movimento. Outros
acharam o noticiário "preconceituoso" com os grevistas.
Acho que os leitores têm razão
em relação à pouca visibilidade
que a greve obteve na Folha,
principalmente na Primeira Página, embora não se possa dizer
que o jornal não tenha acompanhado a paralisação. Houve notícia desde o primeiro dia, mas
notas pequenas, sem destaque. O
jornal fez reportagens maiores
sobre os prejuízos para os alunos
e pais (o que provocou a crítica
de que estava sendo "tendencioso") e sobre os baixos salários dos
professores, comparando-os com
os de outros Estados.
O jornal tem dificuldade para
valorizar o noticiário sobre ensino público municipal. A cobertura das greves em geral, e não só
esta especificamente, se baseia
em números: quantas pessoas
participam das manifestações,
percentual de aumento reivindicado, percentual oferecido pelo
governo, número de escolas paradas e estudantes prejudicados,
e assim vai. Não consegue aproveitar o momento tenso da greve
para um mergulho na crise.
O jornal acompanha bem as
grandes políticas educacionais,
mas o mesmo não se pode dizer
em relação ao ensino municipal.
O jornal está atento à qualidade
das escolas privadas de São Paulo, mas o mesmo não se pode dizer em relação às públicas.
Além da cobertura diária, o
jornal fez dois editoriais sobre a
greve e um de seus colunistas,
Gilberto Dimenstein, fez um artigo que repercutiu: "É certo uma
doméstica ganhar mais do que
um professor?".
Os problemas principais, na
minha avaliação, são a falta de
continuidade e de aprofundamento. A greve terminou no dia
12, e a preocupação com o ensino
público municipal já esmaeceu.
Sei que não é fácil a cobertura regular do assunto quando temos
de dar atenção todos os dias a
uma avalanche de outros problemas igualmente críticos. Mas, se
estamos de acordo que o país tem
de investir em ensino público de
qualidade se quer dar o salto que
todos esperam, não vejo como
não priorizar o tema.
Descaso jornalístico
Os funcionários da Anvisa
(Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) estão em greve desde
21 de fevereiro. A primeira notícia que encontrei na Folha foi
uma nota curta na coluna "Mercado aberto" de 31 de março, 38
dias após o início do movimento.
No dia 1º de abril, o caderno
Cotidiano publicou outra nota,
"Greve na Anvisa afeta estoque
de remédios". O caderno Dinheiro entrou na cobertura para
acompanhar os danos, em milhões de dólares, no porto de Santos: "Prejuízo com greve em Santos é de US$ 50 mi" (4/4) e "Perda
com greve de fiscais em Santos
passa de US$ 80 mi" (15/ 4).
No domingo, 16 de abril, o jornal recebeu um puxão de orelha
de um de seus colunistas, Janio
de Freitas: "Não só de violações
de sigilo e do decoro parlamentar
se fazem, hoje em dia, as investidas contra o interesse geral, nos
seus sentidos tão variados e tão
pouco bem percebidos. A exemplificação é farta. Por descaso
jornalístico ou por motivo que
desconheço, jornais e TV têm ignorado um fato de relevância:
você sabe que já chega a dois meses a greve no setor de fiscalização da Vigilância Sanitária federal?" Ficou evidente o descaso, e
a reação foi imediata. Na terça-feira, dia 18, foram publicadas
uma reportagem em Dinheiro,
sempre com foco no porto de
Santos ("Prejuízo com greve em
Santos sobe"), uma nota com a
opinião contrária à greve do presidente da Câmara, deputado
Aldo Rebelo, e uma reportagem
em Cotidiano: "Paralisação de
56 dias afeta estoques de contraceptivo". As poucas reportagens
publicadas mal mencionaram as
reivindicações dos grevistas e as
negociações com o governo.
O jornal editou, nos dias seguintes, duas cartas de leitores e
um editorial ("Greve irresponsável"), todos contra o movimento,
e uma reportagem. E foi tudo
que a bronca do colunista havia
provocado até sexta-feira. Mas a
questão principal continuava
sem resposta: como uma greve
com essas conseqüências dura
tanto tempo e não tem a atenção
do governo, nem da imprensa?
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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