São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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No reino do vale-tudo

Ao ler a Primeira Página de terça-feira (edição SP), fui tomado de um ligeiro mal-estar. Isso aconteceu, mais precisamente, ao prestar atenção na foto da parte inferior.
Nela (veja ao lado), um homem tenta se proteger do frio sob um relógio desses que marcam também a temperatura. Em minha crítica interna, escrevi o seguinte:
"Todo jornalista com alguns anos de experiência terá o direito de se perguntar se a foto (...) não é ou parece ser uma montagem -procedimento, creio, inadequado para o jornal. É altamente improvável que o fotógrafo tenha encontrado um personagem do jeito e no local em que este está. Como não tenho certeza, sugiro verificar".
A secretaria de Redação ouviu o repórter-fotográfico, o editor de fotografia, investigou o caso e constatou, de fato, uma fraude.
"A foto não é espontânea", diz Gustavo Patú, secretário interino de Redação. "Não houve flagrante mas sim interferência, artificial, do fotógrafo. A Folha condena esse procedimento".
Ou seja, em vez de registrar a imagem de um personagem autêntico achado na avenida daquele modo, guardando-se do frio justamente naquele local, o fotógrafo pegou um conhecido e o plantou ali, criou um "fato".
Pode ter a ver com artes plásticas, publicidade, com o que for, menos com jornalismo. E não importa se se tratava de assunto supostamente "menor", como a temperatura da cidade. É questão de princípio.
Mais uma vez, de modo até mais declarado do que no caso dos "Erramos", é a credibilidade do jornal que se abala.
Não por acaso, na Folha, adota-se o nome de "repórter-fotográfico" para essa função. Pois se trata de fotojornalismo.
Por isso, cabe a pergunta: há diferença, de raiz, entre tal atitude e o rumoroso caso da norte-americana Janet Cooke, que em 81 ganhou um prêmio Pulitzer (depois retirado) com reportagem forjada no "Washington Post" sobre uma criança viciada em heroína?
Não. Ambas iniciativas atentam contra o jornalismo. A diferença é apenas de grau.



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