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OMBUDSMAN
O caso do ministro e do caseiro
MARCELO BERABA
A semana foi dominada
por um escândalo, a quebra ilegal do sigilo bancário do
caseiro Francenildo dos Santos
Costa. Francenildo foi apresentado pelo "Estado de S.
Paulo" na edição do dia 14 de
março, e a manchete do jornal
resume a importância de seu
testemunho: "Caseiro desmente Palocci e diz que ministro visitava mansão".
A "mansão" era uma casa
alugada no Lago Sul de Brasília por ex-colaboradores de
Antonio Palocci da época em
que foi prefeito de Ribeirão
Preto e teria sido utilizada para lobby. O ministro da Fazenda garantiu, em diversas ocasiões, que jamais esteve na casa. Francenildo foi a segunda
testemunha a aparecer, depois
do motorista Francisco das
Chagas Costa.
O depoimento do caseiro
criou uma situação ainda
mais difícil para Palocci, já
acuado por várias acusações
referentes, principalmente, aos
períodos em que foi prefeito.
No dia 16, uma quinta-feira,
Francenildo reafirmou, na CPI
dos Bingos, que vira o ministro
na tal casa, mas uma liminar
do STF, concedida a um senador do PT, suspendeu a sessão.
Na sexta-feira à noite, a revista "Época" inaugurou o seu
"Blog Brasil" (www.blogbrasil.
globolog.com.br) com uma informação exclusiva e de repercussão imediata: "Extratos revelam depósitos para caseiro".
A informação antecipava a reportagem que seria publicada
na edição em papel que estava
sendo concluída.
Os repórteres da "Época" tiveram acesso aos extratos da
conta do caseiro na Caixa Econômica Federal e decidiram
publicá-los, mesmo sabendo
que tinham sido obtidos ilegalmente, por os considerarem
"jornalisticamente relevantes"
(vide texto ao lado). O título
da revista é uma pergunta:
"Quem está dizendo a verdade?".
A revista levantou a hipótese
de o caseiro ter recebido dinheiro para testemunhar contra o ministro Palocci. O caseiro
negou. Informou que o dinheiro
tinha sido depositado por um
empresário do Piauí que não o
reconhece como filho. A história
é confirmada pelo empresário.
Mesmo assim, a revista cravou
que "os extratos põem em dúvida a credibilidade do caseiro".
Por quê? Mais adiante a revista
afirma que "o caseiro pode até
não ter mentido [em relação ao
ministro Palocci], mas escondeu
de todos que tinha tanto dinheiro". E por que teria de revelar
que tinha o dinheiro?
A reportagem da "Época" deslanchou dois movimentos. Do lado do governo, uma operação
para preservar o ministro e desmoralizar o caseiro, antes testemunha e agora investigado pela
Polícia Federal e pelo Conselho
de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda. Do lado da oposição, da
imprensa e de várias instituições
e personalidades, uma onda de
repúdio pela violação criminosa
do sigilo bancário.
Público x privado
Pouco se discutiu a respeito da
decisão da "Época" de publicar
os extratos obtidos ilegalmente.
Meu ponto de vista sobre a reportagem da revista:
1 - A violação do sigilo bancário é um crime grave e justifica a
indignação estampada nos editoriais dos jornais e nas cartas de
leitores. Além dos prejuízos pessoais provocados ao caseiro, é
um atentado à democracia.
2 - O fato de a revista ter publicado o extrato não significa que
ela também tenha cometido o
crime. No caso, a responsabilidade pela manutenção do sigilo era
da CEF. Há, a meu ver, um fator
fundamental que pode justificar
-como já ocorreu inúmeras vezes- a publicação de informações verdadeiras de origem ilegal
que chegam às mãos dos jornalistas: o interesse público.
A Folha tinha ciência de que as
fitas do BNDES que gravavam
conversas sobre o escândalo da
privatização das telefônicas, em
1998, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, tinham sido feitas ilegalmente. Verificada
a autenticidade delas, decidiu
publicar as partes que tinham
interesse público (e nunca revelou os trechos com intimidades
dos grampeados).
3 - No caso dos extratos de
Francenildo, a revista "Época"
cometeu, na minha opinião, os
erros de ação e de omissão. Explico.
4 - A revista foi precipitada ao
tornar pública a história familiar do caseiro. Naquela sexta-feira, dia 17, a publicação não tinha nenhum indício para colocar em dúvida a credibilidade da
testemunha. O que ela tinha em
mãos eram suposições, e deveria
ter se dado mais tempo para investigar antes de publicar. A relação de Francenildo com o empresário que ele diz ser seu pai
faz parte da sua vida particular.
É até possível que o caseiro esteja
mentindo e que o dinheiro tenha
outra origem. Mas até agora nada foi provado.
5 - A revista estava, no entanto, com uma grande história e
não deu atenção: os extratos foram obtidos através da violação
criminosa do sigilo bancário do
caseiro dentro da CEF, banco subordinado ao ministro Palocci.
Este, por enquanto, é o grande
escândalo. A revista ignorou o
crime e, mesmo diante da falta
de provas contra Francenildo,
decidiu expor publicamente sua
vida familiar. Uma completa inversão de critérios jornalísticos.
Sem comparação
Muitos leitores escreveram
questionando a indignação manifestada pelos jornais com a
quebra do sigilo bancário de
Francenildo. Procuraram comparar o caso com o do ministro
Palocci, que teria tido a sua intimidade violada quando foi revelado que freqüentava a casa do
Lago Sul. Acho que não tem
comparação. O ministro é um
homem público e ele sempre informou que nunca esteve na casa. Se for provado o contrário, terá cometido uma mentira grave.
Também não vejo como comparar o que ocorreu com o caseiro com o vazamento de informações sigilosas, obtidas legalmente, de acusados de estarem envolvidos com o valerioduto. São homens públicos investigados por
terem se beneficiado de esquemas ilegais de levantamento de
recursos para o enriquecimento
pessoal ou para uso político.
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