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OMBUDSMAN
Dona Vitória
MARCELO BERABA
A melhor história da semana foi produzida por uma
alagoana de 80 anos, empregada
doméstica aposentada. Por dois
anos ela filmou, da janela de seu
apartamento, escondida, o tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.
No momento em que o país
discute a legitimidade de grampos, fitas e delações como armas
para o enfrentamento da corrupção, sua iniciativa só provocou elogios. Ela entregou para a
polícia do Rio 33 horas de filmagens gravadas em 22 fitas.
O trabalho foi acompanhado,
a partir do ano passado, pelo jornalista Fábio Gusmão, e seu resultado, publicado no jornal
"Extra" de quarta-feira, possibilitou a prisão, até anteontem, de
13 traficantes e nove PMs.
Antes de dar publicidade ao
material, a senhora foi protegida: vendeu o apartamento onde
morou por 38 anos, foi incluída
no Programa de Proteção à Testemunha. Seu nome foi preservado: é chamada de dona Vitória.
Sua sala ficava de frente para a
boca-de-fumo. Através da janela, acompanhava o comércio das
drogas, a demonstração de força
dos bandidos armados e a corrupção de policiais. Cansada de
reclamar com a polícia sem resultado, comprou uma filmadora em 12 prestações. Gravou,
juntamente com as imagens,
suas impressões. "Não vou dizer
que não tenho medo deles, mas
deixar de filmar esses bandidos,
isso não vou mesmo. Estão enganados, estão enganados."
O material que colheu foi
transformado em reportagem
por Fábio Gusmão, o mesmo repórter que dias antes tinha revelado a convivência promíscua de
jogadores de futebol com o principal traficante da Rocinha. Gusmão teve o mérito de descobrir
dona Vitória e de perceber a importância de seu esforço. Trabalhou com calma os fatos gravados e só publicou a reportagem
quando ela estava segura. Um
cuidado óbvio, que nem sempre
a pressa competitiva respeita.
A seguir, o depoimento do repórter: "O que motivou dona Vitória foi a indignação por ter sido desacreditada em todos os órgãos que procurou. Ela quis provar que estava dizendo a verdade e que as coisas não poderiam
continuar como estavam.
O papel do jornalismo é descobrir, ouvir e tratar com sensibilidade, respeito e cuidado casos e
pessoas que passam pelo mesmo
problema. Acredito que fizemos
jornalismo da forma que dona
Vitória merecia. O meu papel foi
acreditar que estava com uma
grande história. Mas, para publicá-la, tive de percorrer um
longo e cansativo caminho. Digo
cansativo porque é impossível
manter a distância e não se envolver quando você convive por
mais de um ano com uma pessoa
como ela. Tinha o medo de que
um dia ela não atendesse o telefone, precisava convencê-la de
que era muito perigoso para ela
continuar lá, precisava convencer as autoridades de que algo
precisava ser feito. Isso foi conseguido com o apoio dos editores
que, desde o início, colocaram
como inegociável a condição de
só publicar a reportagem quando ela estivesse em local seguro".
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Marcelo Beraba é o ombudsman da Folha desde 5 de abril de 2004. O ombudsman tem mandato de um ano, renovável por mais dois. Não pode ser demitido durante o exercício da função e tem estabilidade por seis meses após deixá-la. Suas atribuições são criticar o jornal sob a perspectiva dos leitores, recebendo e verificando suas reclamações, e comentar, aos domingos, o noticiário dos meios de comunicação.
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