São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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A imprensa e a CPI

A imprensa brasileira cumpriu, no caso da CPI dos Correios e da crise política que se arrasta desde maio do ano passado, o papel que dela se espera numa democracia? Publico hoje as avaliações de um leitor e de dois editores de jornal.

Um roteiro
Adjútor Alvim, leitor

"1. A imprensa foi eficiente em demonstrar os desvios do governo Lula. Leviandades foram uma exceção concentrada em alguns órgãos e jornalistas. A maioria das denúncias foi comprovada.
2. A imprensa não foi capaz de demonstrar por que os desvios do governo FHC não repercutiram tanto quanto os do governo Lula. Incompetência deste em abafá-los? Interesse das elites representadas no Congresso em desgastar o governo? Conspiração das elites? Luta de classes, conforme sugeriu Marilena Chaui?
3. A imprensa está sendo ineficiente em discutir por que a popularidade de Lula continua em alta apesar das denúncias. Somos tolerantes com a corrupção? A oposição não tem credibilidade para as denúncias? A popularidade continua alta nas classes C, D e E porque elas não têm acesso à informação ou porque estão satisfeitos com o governo Lula?
4. A imprensa tem sido ineficiente em analisar se temos opções políticas que não executam as mesmas práticas de PT-PSDB-PFL-PMDB? Os deputados do PSOL não se beneficiaram do caixa dois do PT? A prática é realmente sistêmica? Vamos votar em outubro sabendo que elegeremos corruptos?
5. A imprensa tem sido tímida em apontar saídas para a crise. Temos possibilidade de sair dela pela via eleitoral? Precisamos mudar a legislação? Quais são as reformas políticas e eleitorais possíveis?
6. Há paralelo na crise que vivemos hoje com outras crises do passado? Há risco de crise institucional se o impeachment for levado à frente? O cenário de hoje é parecido com o de 1954 ou 1964?
Acho que todos esses assuntos, embora já tenham sido mencionados na imprensa, devem ser aprofundados em ano de eleição presidencial."

Um ou outro senão
João Bosco Rabello, diretor da Sucursal de Brasília de "O Estado de São Paulo", e Claudio Augusto, editor de Nacional

"Talvez o melhor exemplo do acerto e da seriedade do trabalho da imprensa na cobertura da crise de corrupção no governo Lula seja a denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. Ela absorve quase a totalidade das denúncias publicadas e confirma a gênese dos crimes praticados pela cúpula do PT no governo. A base aliada ao Palácio do Planalto procurou o tempo todo desacreditar as investigações. Tudo era "invenção da oposição" com apoio de uma "mídia golpista". No fim, o parecer do procurador foi mais contundente que o da CPI dos Correios, produzido sob pressão do PT.
É verdade que a imprensa, por vezes, ficou a reboque das CPIs. Mas é impraticável imaginar que uma cobertura com documentos comprometedores manuseados por poucos parlamentares produziria revelações decorrentes exclusivamente da apuração dos repórteres. Vale observar que, em comparação com escândalos anteriores, a imprensa foi muito mais proativa. A crise nasceu de um depoimento não espontâneo: a célebre gravação revelada pela "Veja" em que o funcionário dos Correios Maurício Marinho aparece recebendo propina. Na seqüência, vieram a entrevista do ex-deputado Roberto Jefferson à Folha e, ao final, o depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa ao "Estado".
O processo de apuração foi complexo. Antes de publicar o depoimento do caseiro, por exemplo, o "Estado" obteve seus contracheques, buscou testemunhas de que trabalhava na mansão da República de Ribeirão, além de confirmar que, ao lado de um motorista, entregou dinheiro ao chefe de gabinete de Palocci.
Neste período de investigações e duro trabalho jornalístico, caíram a cúpula do PT e o chamado núcleo duro do governo. Jefferson e José Dirceu foram cassados. A imprensa, com um ou outro senão, cumpriu seu papel."


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