Índice geral Opinião
Opinião
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Lei seca, mas volátil

Decisão do STJ de proibir provas testemunhais para criminalizar embriaguez na direção pode levar a novo -e duvidoso- "endurecimento"

É um erro responsabilizar o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo efetivo esvaziamento da lei seca. Sua decisão de excluir testemunhos e exames clínicos como prova de embriaguez ao volante decorre -como se previa- dos defeitos da lei nº 11.705/2008, não da alegada insensibilidade dos magistrados.

Justificava-se plenamente a intenção do legislador: punir com maior rigor o motorista que dirige após consumir álcool e ameaça a vida de terceiros, além da própria. Estima-se que esteja associada com a bebida quase metade das cerca de 37 mil mortes ocorridas a cada ano no trânsito do Brasil.

Da intenção ao resultado, no entanto, existe um tortuoso caminho, pavimentado com efeitos não pretendidos. No intuito de agravar punições para a embriaguez na direção, a lei seca tipificou-a como crime apenável com seis meses a três anos de prisão. Mas também confinou a comprovação do delito a um critério quantitativo: presença de seis décimos de grama de álcool por litro de sangue.

Toda a dificuldade reside em que a ultrapassagem desse limiar só pode ser atestada por exame de sangue ou teste do aparelho conhecido como bafômetro. Como ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo, a autoridade policial não tem como exigir que a evidência seja coletada.

Sendo inegável o interesse social em sancionar aquele comportamento de risco, alguns juízes vinham aceitando o testemunho de agentes ou o exame clínico por médicos. Foi essa a porta que o STJ fechou, ao determinar que a prova quantitativa representa uma condição "sine qua non" para configurar a conduta criminosa.

Dito de outra forma, o ímpeto punitivo da lei seca deu para trás. Basta o ébrio motorizado recusar-se a fazer qualquer teste para escapar da acusação de crime. Pode quando muito receber punições administrativas, como multa de R$ 957,70 e suspensão do direito de dirigir por um ano -para as quais basta a prova testemunhal.

O Congresso, no entanto, já se prepara para reincidir no erro e promete enrijecer a lei seca. Se o limiar de seis decigramas -o qual, dependendo do peso da pessoa, pode ser atingido com um ou dois copos de chope- já parecia excessivamente rigoroso, agora se cogita baixá-lo para zero (ou dois decigramas, como margem de erro). Propõe-se até que isso baste para a prisão preventiva do motorista.

Percebe-se logo que os parlamentares estão mais preocupados em parecer rigorosos do que em redigir uma norma exequível. Melhor fariam se se limitassem a reintroduzir na lei a possibilidade da prova testemunhal para configurar o crime, mas somente para aqueles casos em que a embriaguez do motorista produza vítimas.

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.